quinta-feira, 14 de julho de 2016

As cagadas do PT ou o ontem depois de hoje

Imagem publicada originalmente na conta de Twitter do jornalista Bruno Torturra

Três máximas que não devem ser ignoradas: 1) Eu fui um dos tolos que disse ruim com o PT, pior sem ele. Está comprovado, isso é uma besteira de ontem; 2) O PT ajudou, no dia 13 de julho de 2016, na concretização do golpe institucional. Está comprovado que hoje o PT é longínquo do que se sonhou um dia longe de ontem. Uma submáxima: o PT é indefensável e, finalmente, 3) Sinto angústia por uma mulher como a Dilma Rousseff, cuja valorosa história revolucionária a torna um exemplo para todos nós, continuar filiada a uma sigla como o PT. Partido que contribuiu imensamente para que, agora, ela fosse definitivamente afastada. A sigla PT não significa mais Partido dos Trabalhadores, mas Poder Totalizante e, para isso, é necessário vender a alma a deus e ao diabo.
Hoje, nessa madrugada tenebrosa, um dia depois da morte de um trabalhador rodoviário em Aracaju por mais um motivo torpe – assalto –, o silêncio nas ruas, graças a paralisação do sindicato, representa os muitos e doloridos silêncios em que se afunda o Brasil. As panelas golpistas se calaram após a abertura do processo de impeachment e no 13 de julho fatídico,uma esquerda pasma, anestesiada e iludida foi golpeada pelo partido golpeado que elegeu um partido golpista para presidir a Câmara dos Deputados Federais.
O cobrador de ônibus assassinado hoje e tantos outros trabalhadores que morrerão daqui a pouco e que continuarão a morrer na roda da fortuna são mais importantes que meu tempo gasto e o sono perdido às portas de dia que passarei inteiro entre papeis e burocracia universitária pensando em como o PT se tornou o que é e em como ainda ouvirei e leirei pessoas, ditas esclarecidas se curvando ou na esperança de explicações retóricas para a atitude política dessa sigla morta. Isso tudo dito aqui, numa única frase, num único fôlego.
Dói pensar que, querendo ou não, a política também é e se faz por laços de afetividade e se, de fato, assim o é, o PT está tão vivo nas mesas de negociação, tão vivo, mas, tão vivo que fede. Pois o único banho que tem tomado é com o sangue de índios, negros, homossexuais, toda uma minoria solapada e violentada diariamente pelo poder dominante que esse mesmo tão vivo PT alimenta. Na verdade, o poder não corrompe, ele vicia o usuário a se lambuzar na corrupção.
Não há muito mais que dizer. Ainda penso na família que enterrará um pai hoje, um filho, um irmão. O silêncio é o símbolo do fim. Como lutar contra o golpe se o golpe é chancelado intencionalmente pelo golpeado? Talvez seja a hora de ignorar o som do silêncio e nos atentarmos mais na busca pela claridade. A frase feita para as redes sociais e para o dia a dia se modifica: primeiramente fora quem?


Nesses tempos tenebrosos: Continuo lutando contra o golpe que devasta a democracia e a partir de agora, também luto contra o PT.

sábado, 2 de julho de 2016

Seu Gouveia, o cidadão de bem

63 anos. Aposentado aos 50. Bem disposto, joga todo sábado o futebol master no campo do Boró, dois tempos de quinze. Bebe sua cerveja em copo americano e em cadeira de ferro. Já deu uns tapas na mulher. 25 anos casado com a Doralice, aliança 24K gravada no interior pelo ourives: Fui o único. Certa vez, arrancou-lhe dois dentes, pois ela reclamou do batom na camisa e do cheiro de colônia feminina depois das suas andanças após o futebol.
Domingo, sentando no banco, rezou pra São Jorge, o Guerreiro, que desse forças para continuar com a mesma mulher. Ela à noite, no culto evangélico, ajoelhada orando para que Cristo Jesus acerte os caminhos do marido. Divórcio é coisa moderna desses avançados. O que Deus uniu o homem jamais pode separar. Nisso os dois são felizes. Apesar do próprio padre reticente e do pastor revoltado com a situação. Mas a oferta e o dízimo estão em dia. Dá-lhe oração e vigília. Queima-se vela e Ave Maria.
Jailson Salomão Costa Gouveia. Irmão mais novo de seis. Cidadão de bem. Burocrata. Demorava uma hora no cafezinho. Três para o almoço. Entrava nove e saía às dezesseis. Sonha com a volta dos militares. Naquele tempo não havia esse desbunde! Sempre achou grevista vagabundo. Porém, funcionário público, colheu delas os seus benefícios. Dos de São Bernardo do Campo, sempre teve pavor. Não gosta de nordestino, de preto, nem de candomblé. Mas todo dia 23 de abril não sabe se é cavalo ou se relembra que já foi coroinha.
Insulta Nicinho, o cabeleireiro, de “viado” e “dá cu”, mas, entre cascudos e maços de cigarro sem filtro, pede pra molecada comprar, junto ao jornal, fotonovela de travestis. Bandido bom, é bandido morto. Mulher de minissaia está pedindo pra se estuprada e filha sua, se casar, será de branco e cabaço. Seu Gouveia, cidadão de bem.
Machista. Sua mulher ainda coloca sua comida. Não sabe fritar um ovo. Mas, nas festas da família, em meio à birita, queima a carne do churrasco entre piadas sexistas. Lésbica é falta de piroca. Gay foi falta de porrada. Seu Gouveia, cidadão de bem. Aborto é pra mulher da vida. Apesar da rua inteira saber da Lindaura e da gravidez interrompida. O silêncio feminino na mesa de jantar. Lavam-se as louças. Ouve-se um arroto. A TV está ligada e um forte ronco na poltrona. Seu Gouveia, cidadão de bem, encerra mais um domingo comum.