segunda-feira, 7 de junho de 2021

Fluxo de pensamento e bits

É evidente que não devemos falar aquilo que pensamos no instante que pensamos, deve haver um filtro – provavelmente a Ciência já deva ter estudado isso no nosso cérebro – que segure a junção das palavras até que forme uma oração.

Nota mental: fluxo de consciência é em Literatura, no fazer literário, resumindo didaticamente, o pensamento de um personagem sendo descrito pelo narrador enquanto o pensamento ocorre, algo assim. A escritora Virgínia Wolf tem muito isso em seus livros (ao menos é a que li). Em nossa língua, posso dizer de carteirinha que o grande alagoano Graciliano Ramos e o mineiro Guimarães Rosa, faziam como ninguém Fim da Nota mental

Voltando ao que eu chamei de “fluxo de pensamento” – que é quase a mesma coisa que o tal do fluxo mental. É preciso tomar cuidado com essa merda, se não você acaba se tornando um presidente de uma república federativa, cuja Democracia ainda é jovem demais e você se enrolará nos seus fluxos e refluxos, demorará a responder e-mails, enfim, vai fazer merda. Por isso mesmo, se você me ouvir bem, você aí que acha que está lendo, mas na verdade me ouve com sua própria voz, me escute bem: há um lapso entre o que eu penso e o que eu falo. Um lapso grande. Por isso contarei um causo. Gosto de causos em prosas.

O Teixeirinha é um grande amigo meu, um dos melhores, dou meu braço esquerdo pelo Teixeirinha e sou canhoto. Ele gosta de correr, acho que resolve lá seus problemas correndo. Eu acho um saco correr. Mas entendo. Eu por sua vez, pedalo. Hoje, segunda-feira, o dia mais temível da semana – sempre odiei segunda-feira e curiosamente nasci numa – após os afazeres do trabalho fui pedalar no rolo fixo com minha querida Prozac (uma Caloi Comfort 500, ano 2013, modificada em suas peças de fábrica, original, só o quadro, os freios e as rodas). Enquanto me preparava para começar meu exercício do dia, me veio à mente o Teixeirinha e certa vez que ele esteve aqui em casa, fumamos muito charuto e bebemos muita cachaça e ficamos analisando bateristas. Revimos uma três vezes, talvez cinco, um vídeo de análise com partitura das levas de John Bonham, baterista do Led Zeppelin.

Teixeirinha, assim como eu, teve aulas de música quando garoto e sabe lá seus solfejos. Estudou clarinete. Mas diz que queria muito, muito aprender bateria. Curioso que o primeiro contato que todos nós temos com a música, acho que todos, sem sombra de dúvida, é com o batuque de alguma coisa, nem que seja com a testa no chão. Eu por exemplo, história mais que verdadeira e foi o que levou minha mãe a me matricular em aulas de música, é que quando vi o show do Nirvana, em 1993 pela TV e os caras quebrando tudo, pensei: “Putz, isso é rock!”. A coisa ficou estranha em casa. A caixa estourou quando em 1996 comprei com minha mesada o Cd “Roots” do Sepultura e comecei a juntar panelas e tampas, colheres de pau e montei uma “bateria” e “ensaiava” quando chegava do colégio, lá por voltas das 13:00. Minha mãe estava sempre dormindo, pois seus plantões nos Hospitais eram noturnos. Não irei longe. Nunca fui baterista. Fui estudar violão e instrumentos mais “melódicos” na mentalidade da minha mãe.




Se você cresceu entre os anos 80 e 90 com certeza ouviu Phil Collins. Na sua biografia “Ainda estou vivo: uma autobiografia”, Rio de Janeiro, Editora BestSeller, tradução de Phellipe Marcel, 2018 [original: “Not Dead Yet”, de 2016), por sinal, baita livro, o músico no prefácio escreve duas coisas que me marcaram muito e repito em voz alta o que li: “[...] como trabalhei! Se você consegue se lembrar dos anos 1970, certamente não esteve em tantas turnês do Genesis quanto eu, Tony Banks, Peter Gabriel, Steve Hackett e Mike Rutherford. E se você se lembra dos anos 1980, peço desculpas por mim e pelo Live Aid.”


Algumas linhas se seguem e ele finaliza o prefácio e já dá a dica que os compassos dos capítulos que compõem o livro serão frenéticos, leio em voz alta, mais uma vez: “Fui tocado pela morte quando meu pai faleceu, justamente no momento em que a decisão de seu filho hippie de trocar uma vida segura por uma vida na música começou a render frutos. Também fui atacado quando, no curto período de dois anos, Keith Moon e John Bonham morreram, ambos aos 32 anos. Eu os venerava. Lembro de ter pensado, na época: “Esses caras deveriam durar para sempre. São indestrutíveis. São Bateristas.” Meu nome é Phil Collins, sou baterista e sei que não sou indestrutível. Esta é a minha história.”.
Enquanto eu pedalava, uma hora cravada, ouvia o primeiro disco solo do baterista que virou cantor e que tem como pérola a frase: “I’m not singer who plays a bit of drums. I’m a drummer that sings a bit.”


O disco terminou. Como eu usava streaming, joguei para o EP da banda em que seu filho Nic Collins é baterista e um grande baterista!

O coração é ritmo. Pedalar é ritmo. Correr é ritmo. Caminhar é ritmo. Viver é ritmo.

sábado, 5 de junho de 2021

Sábado de Aleluia

 


Não sou cristão – ao menos em credos e práticas –, mas, quase inevitavelmente, nascido num país colonizado por europeus católicos que dizimaram com a catequese católica os índios e suas muitas línguas, escravizaram nações negras da África podando suas religiões, idiomas, tanto quanto o protestantismo em suas muitas variantes... como você pode ouvir, é praticamente quase inevitável sendo um ocidental não ter o mínimo do moralismo cristão – e toda religião tem seu moralismo, seus ismos ideológicos.

Hoje chove forte, chove fraco, é um chove não molha chato em Aracaju. Você não pode ouvir, mas ouço um cd – sim um compact disc – de 2000 que comprei no Norte Shopping, nas Lojas Americanas. Início dos anos 2000. Lembro-me como se fosse hoje, mas é outra conversa. Chove e é sábado, Sábado de Aleluia.

Tenho tido sonos agitados, os médicos vaticinam que são efeitos do uso contínuo das medicações. Os doutores sabem o que dizem. Confio.

Ontem, Sexta-feira Santa, tive reunião sobre um Dossiê que estou coordenando com o Teixeirinha para uma revista acadêmico-científica. Às 16:00 horas em ponto conectamos essa coisa de vídeo conferência, ele de lá e eu daqui. Na verdade, sempre foi assim. Oxalá, como Aldir Blanc e João Bosco que fizeram tantas pérolas por cartas e fitas cassetes indo do Rio de Janeiro para Minas Gerais e mesmo quando afastados estavam juntos, eu e ele possamos continuar bem assim. De qualquer maneira, ouça bem, nunca é uma simples reunião de trabalho, sempre há algo místico e intelectual na prosa, seja sobre Os Trapalhões ou algum causo antigo da infância vivida há léguas no interior de algum interior.

Contei-lhe de um trecho estranho de sonho que tive na madrugada, era toda a passagem do Gólgota, mas o que salientei foi: “Bicho, me chamou atenção no sonho que eu via Jesus indo ao inferno no intervalo pós-crucificação/morte e ressurreição. E já li a Bíblia em tantas versões na minha vida. Cara, não lembro se isso está em algum dos quatro evangelhos.”. Batata! Bastou! O Teixeirinha se levantou da cadeira e foi buscar na sua vasta biblioteca e foi a folhear: “Não, bicho. Tem não! Acho que tem no credo católico isso, a coisa mais como um dogma. Mas bíblico não parece ser, não parecer ser evangélico” (evangélico aqui é o termo técnico para nos referirmos ao conteúdo bíblico, dos quatro evangelhos, os livros. Assim como escritos mosaicos estaria referido aos livros vinculados a Moisés. Fica aqui a informação). Insisti.

“Velho, talvez no Apocalipse”. E ele: “É. Ah, bicho, não vou ficar com essa dúvida, vamos ver aqui” – e foi. No final das contas, havia uma passagem, mas não exatamente explícita de “ida ao inferno”, mas algo sobre deter as chaves dos portões do inferno. Começamos a reunião.

Ao término da reunião, a noite cobria a sala do pequeno apartamento em que moro e o sol se punha na janela lá no Serrado. O Teixeirinha avisa: “vou tomar uma garrafa de vinho inteira que está gelando desde meio dia. Mas deixa eu te perguntar, quando você pedala ouve música?”, respondo que não. “Nem indoor?”, sim, aí ouço. “O quê? Há algo específico?”, confesso que vindo do Teixerinha, algum motivo havia de profundidade fraterna na pergunta, sugestiva, não sei, mas havia.

Expliquei que dependia do dia, da noite que tive, do meu estado de espírito, do que eu me propunha com a pedalada indoor. Aprofundei superficialmente a prosa – os mosquitos estavam me carregando – que às vezes até estudava música enquanto pedalava no rolo fixo: “Coloco a partitura na minha frente e pratico solfejo”. Ele sorriu.

Deixei de fora, infelizmente, isso aqui, essa conversa que estou tendo com você. Pedalo para dar voz aos pensamentos através das muitas vozes que tenho vontade de colocar para fora e o faço quando dá aqui n’O Ventríloquo. Mesmo no Strava – aplicativo muito utilizado, principalmente por ciclistas e corredores – deixo fragmentos do que chamo de “CRÔNICA QUE NINGUÉM LÊ”. Acho que o Teixeirinha também corre um pouco para isso ou pelo menos desenrolar um trecho de vazio documental aqui, outro acolá. Esvaziar a cachola da mente. Eu acabo preenchendo e tendo que falar. Sábado de Aleluia, não é isso?

Pouco tempo depois chega uma mensagem do Teixeirinha, com uma indicação de uma música chamada “Claudeland”, da banda – que eu não conhecia – Highly Suspect.

E como de sempre um afetuoso “Abraço”.

É: “Dance, dance, dance motherfucker, dance, motherfucker. Just dance. Dance the night away...”