Não
sou cristão – ao menos em credos e práticas –, mas, quase inevitavelmente,
nascido num país colonizado por europeus católicos que dizimaram com a catequese
católica os índios e suas muitas línguas, escravizaram nações negras da África podando
suas religiões, idiomas, tanto quanto o protestantismo em suas muitas
variantes... como você pode ouvir, é praticamente quase inevitável sendo um
ocidental não ter o mínimo do moralismo cristão – e toda religião tem seu
moralismo, seus ismos ideológicos.
Hoje
chove forte, chove fraco, é um chove não molha chato em Aracaju. Você não pode
ouvir, mas ouço um cd – sim um compact disc – de 2000 que comprei no
Norte Shopping, nas Lojas Americanas. Início dos anos 2000. Lembro-me como se
fosse hoje, mas é outra conversa. Chove e é sábado, Sábado de Aleluia.
Tenho
tido sonos agitados, os médicos vaticinam que são efeitos do uso contínuo das
medicações. Os doutores sabem o que dizem. Confio.
Ontem,
Sexta-feira Santa, tive reunião sobre um Dossiê que estou coordenando com
o Teixeirinha para uma revista acadêmico-científica. Às 16:00 horas em
ponto conectamos essa coisa de vídeo conferência, ele de lá e eu daqui. Na
verdade, sempre foi assim. Oxalá, como Aldir Blanc e João Bosco que fizeram
tantas pérolas por cartas e fitas cassetes indo do Rio de Janeiro para Minas
Gerais e mesmo quando afastados estavam juntos, eu e ele possamos continuar bem
assim. De qualquer maneira, ouça bem, nunca é uma simples reunião de trabalho,
sempre há algo místico e intelectual na prosa, seja sobre Os Trapalhões ou
algum causo antigo da infância vivida há léguas no interior de algum interior.
Contei-lhe
de um trecho estranho de sonho que tive na madrugada, era toda a passagem do Gólgota,
mas o que salientei foi: “Bicho, me chamou atenção no sonho que eu via Jesus
indo ao inferno no intervalo pós-crucificação/morte e ressurreição. E já li a
Bíblia em tantas versões na minha vida. Cara, não lembro se isso está em algum
dos quatro evangelhos.”. Batata! Bastou! O Teixeirinha se levantou da
cadeira e foi buscar na sua vasta biblioteca e foi a folhear: “Não, bicho. Tem
não! Acho que tem no credo católico isso, a coisa mais como um dogma. Mas
bíblico não parece ser, não parecer ser evangélico” (evangélico aqui é o
termo técnico para nos referirmos ao conteúdo bíblico, dos quatro evangelhos,
os livros. Assim como escritos mosaicos estaria referido aos livros
vinculados a Moisés. Fica aqui a informação). Insisti.
“Velho,
talvez no Apocalipse”. E ele: “É. Ah, bicho, não vou ficar com essa
dúvida, vamos ver aqui” – e foi. No final das contas, havia uma passagem, mas
não exatamente explícita de “ida ao inferno”, mas algo sobre deter as chaves
dos portões do inferno. Começamos a reunião.
Ao
término da reunião, a noite cobria a sala do pequeno apartamento em que moro e
o sol se punha na janela lá no Serrado. O Teixeirinha avisa: “vou tomar
uma garrafa de vinho inteira que está gelando desde meio dia. Mas deixa eu te
perguntar, quando você pedala ouve música?”, respondo que não. “Nem indoor?”,
sim, aí ouço. “O quê? Há algo específico?”, confesso que vindo do Teixerinha,
algum motivo havia de profundidade fraterna na pergunta, sugestiva, não sei,
mas havia.
Expliquei
que dependia do dia, da noite que tive, do meu estado de espírito, do que eu me
propunha com a pedalada indoor. Aprofundei superficialmente a prosa – os
mosquitos estavam me carregando – que às vezes até estudava música enquanto
pedalava no rolo fixo: “Coloco a partitura na minha frente e pratico solfejo”.
Ele sorriu.
Deixei
de fora, infelizmente, isso aqui, essa conversa que estou tendo com você.
Pedalo para dar voz aos pensamentos através das muitas vozes que tenho vontade
de colocar para fora e o faço quando dá aqui n’O Ventríloquo. Mesmo no Strava –
aplicativo muito utilizado, principalmente por ciclistas e corredores – deixo fragmentos
do que chamo de “CRÔNICA QUE NINGUÉM LÊ”. Acho que o Teixeirinha também
corre um pouco para isso ou pelo menos desenrolar um trecho de vazio documental
aqui, outro acolá. Esvaziar a cachola da mente. Eu acabo preenchendo e tendo
que falar. Sábado de Aleluia, não é isso?
Pouco
tempo depois chega uma mensagem do Teixeirinha, com uma indicação de uma
música chamada “Claudeland”, da banda – que eu não conhecia – Highly Suspect.
E
como de sempre um afetuoso “Abraço”.
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