quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A escolha

Acho que obtive o resultado esperado na última voz d’O Ventríloquo e alarguei minha ingênua dúvida musical e, talvez, até mesmo, infundada, como muitos dos meus amigos me expuseram de forma amena. Contudo, o que mais buscava eu foi salientado no comentário do “andarilho” André de Lemos. Por isso, o acorde de hoje vai para ele e diretamente a ele, principalmente, por sua “hipótese” da escolha dos instrumentos, a escolha deles por nós.
Na última vez quis ausentar-me da fábula que expressa a relação instrumento e instrumentista. Mas cabe aqui um alerta: chamei instrumentista não, simplesmente, aquele que toca um instrumento, mas aquele que domina plenamente tal e dominar entenda-se conhecê-lo como a si mesmo, mantendo, claro, as dificuldades humanas para tal, já que nem nos mesmos nos conhecemos a fundo. Afinal, somos eternos aprendizes. Chamo de instrumentista, Stanley Jordan, chamo de instrumentista, Pixinguinha, chamo de instrumentista Tom Jobim (este último para me eximir das acusações de que só listei gente que compõe “música sem letra”).
Aqui caberia, ainda, a discussão sobre quem é o músico. Quem pode ser chamado de músico? Eu posso? Não sei. Volto a uma conversa com um amigo meu, ótimo instrumentista, formado academicamente em Música (como disciplina universitária, etc), não que eu ache que alguém deva se formar em música para tal.
Certo dia fui convidado por ele como debatedor na apresentação de um trabalho sobre a “Reforma Protestante”, enfim, nesse dia, por ser um Seminário Teológico Batista, houve uma devocional musical antes, nada fora do comum para esse que vos fala. Esse meu amigo ao piano e um grande amigo dele no violão. Discrepância absurda com ele: o individuo do violão. Péssimo instrumentista, um violão, que chamamos de “sujo”, muito trastejado, acordes mal feitos, dedos tocando onde não deviam, etc. Dias depois, fui a casa desse meu camarada pegar umas partituras para exercitar, parte da música que sou péssimo, e comentei sobre o cara do violão, que sabia que era chegado dele. Perguntei como ele conseguia tocar com o cara: “A gente acostuma...”.
Questionei o fato do cara se “apresentar” várias e várias vezes, quase que de uma forma pedante, como músico e perguntei: Você o denomina como tal? Meu amigo respondeu: Sim. É formado em música, mas é mau instrumentista, é mau cantor, é, praticamente, ruim em tudo o que você possa imaginar relacionado à prática musical, mas é bom em teoria, história da música, enfim, é músico. Achei esquisito e alfinetei: então também sou músico!
Acabei compreendendo os conceitos do meio ao qual queria questionar. Sou historiador, não músico, sendo assim, meus conceitos são meus e por aí vai.
Mas voltando ao questionamento do André, que não é só dele como meu: Os instrumentos não nos escolhem? Vou além: A música nos escolhe?
Defendo que sim. Arduamente que sim. Por inúmeros fatores que não destacarei para não me alongar demais numa prosa que é muito especifica e de interesse de poucos.
Acho que poderíamos classificar assim:

Músicos maus instrumentistas
Músicos bons instrumentistas
Músicos multiinstrumentistas
Músicos
E tocadores, que não são músicos, apenas tocadores, mas se acham músicos ou não se acham músicos, mas no fim, são músicos também.

Eu sou um tocador de flauta. Instrumento, por sua vez, que, sim, me escolheu! Mas isso, ah, isso é uma outra história! Pois agora escolho uma ala só: a dos que foram escolhidos pelo instrumento e pela musa música! E nessa ala não importa ser bom o mau instrumentista ou dominá-los todos, mas amá-la sempre!

Um comentário:

Andre de Lemos disse...

Puxa quem sou eu... Agradeço suas gentis palavras e digo o seguinte: na minha opinião, não há método, não há regra absoluta e definitivamente não há (os "marxistas" que me perdoem) uma teoria geral para explicar o que vem a ser música, músico e instrumentista. Poderíamos tentar teorizar por meses e anos e ainda assim permaneceríamos sem uma resposta suficientemente abrangente que permitisse que definíssemos tais categorias. Não vejo de outra maneira. Portanto, ofereço a minha idéia, minha verdade e que não imputo a ninguém aceitá-la! Mas vá lá...

Músico é quem vive de música? Sim, pode ser. De Chico Buarque e Hermeto Pacoal a Ivete Sangalo e Mc Créu - sem juízo de valor... errr... quer dizer, tá bom, só um pouquinho, vai? Mas também, não necessariamente, quantos grandes nomes da MPB eram funcionários públicos, profissionais liberais etc.?

Todo músico é instrumentista? Nem sempre. Maestros vivem de regência e não de seus dotes instrumentais. Cantores(as) também não são instrumentistas, se quisermos, é claro, pensar que instrumentos são ferramentas, auxiliam a expressar algo de uma determinada maneira, com as características daquele instrumento.

Todo instrumentista é músico? Também, não necessariamente. Dependendo pode ser apenas um apaixonado pelo instrumento, gostar de tocar esporadicamente ou com amigos e ficar por aí, feliz da vida. Ou pode ser um grande músico. Enfim, as possibilidades são muitas.

Mas resumindo muito essa nossa questão, acredito que música é uma forma de linguagem. É como quando aprendemos um idioma. Podemos nos formar nos cursos de inglês, francês, espanhol, alemão, italiano e etc... temos um diploma que nos certifica a habilidade para nos expressarmos em tal ou qual idioma. Suponho que com a música funcione da mesma forma.

Podemos aprender a nos expressar e nos comunicar através da música como uma segunda (ou terceira, quarta etc.) linguagem. Podemos fazer cursos e nos formar e até sermos considerados fluentes na linguagem da música, podemos ler e escrever música. Podemos falar e nos comunicar através de acordes, escalas e campos harmônicos. Isso pode vir a definir um músico ou não. Um instrumentista ou a ambos.

O ponto é: por mais que nos esforcemos para aprender uma nova linguagem, seja ela musical ou não, eu não conheço nenhum outro meio senão a completa imersão mundo onde aquela linguagem é parte necessária de uma cultura. Quer aprender inglês, faça um curso. Mas quer ser fluente em inglês? Então, vá morar na Inglaterra (e leia Shakespeare!). Ou na Alemanha (e leia Goethe!), Itália (e leia Calvino!), França (e leia Valéry, Proust Gide etc.!) Quer aprender música? Estude. Quer ser fluente? Viva no mundo da música (e ouça Beethoven, Van Halen, Hermeto Pascoal, Miles Davis, Iron Maiden, Chopin, Aretha Franklin, Elvis, Beatles, Mozart, Noel Rosa, Vinícius, Tom Jobim... Enfim, a lista não tem fim!).

Abração...