domingo, 2 de agosto de 2009

Reflexões musicais sobre a felicidade: Loki – Arnaldo Baptista

Alguns temas são ecos aqui n’O Ventríloquo. Acabo de me perguntar se isso é consciente ou não para mim. Acho que é parte da minha partitura de vida. Notas agudas e baixas se tornam um misto, um “tom mix”, nada muito definido, uma coisa de adolescente aprendendo a tocar seu primeiro instrumento – isso é o afinar-se à vida e eu estou a cada dia nesse processo. O que espero é exatamente isso, que minha partitura tenha sempre um Ritornello e que nunca haja um Fine.
Isso, às vezes, é doloroso, outras não, pois nessa série harmônica você sempre terá a oportunidade de se deparar com uma Fermata e o bom é que com ela a duração do tempo – seja da dor ou da alegria – você é quem decide.
Se eu fosse fazer um balanço sobre tudo o que já cantei por aqui, cada voz que imitei, cada som que emiti, teríamos vários Staccatos: contos, poesias, reflexões, crônicas. Tudo isso girando em torno de eixos como: amor, saudade, vida, família, etc.
A felicidade (para mim o mesmo que alegria) ou a ausência dela, figura como um dos andamentos que mais me atraem como Ventríloquo que sou.
Um verso de música sempre retorna à minha mente: “cantar nunca foi só de alegria, com tempo ruim todo mundo também dá bom dia”. Sempre fui uma pessoa mais de tristeza que de alegria. Mais de lua que de sol. Mas as pessoas mudam. Todos mudam.
Ontem fui caminhando até o Shopping Jardins e me encontrei com meu amigo humorista – ele é humorista, eu não. Sou mais a poesia rasgada, o papel de pão. Não que eu não ache poesia no humor, mas assim como os versos são dons, as piadas são dádivas. Decidimos assistir ao documentário Loki – Arnaldo Baptista. Boa pedida, eram 23:55 de um sábado normal em Aracaju, aliás os sábados são sempre normais aqui em Aracaju.
Não resenharei o documentário, não falo aqui para sergipanos, era a única sessão, não haverá outras, se acaso algum me ouvir por aqui, perdão, se você não estava lá, foi como uma estrela cadente ou um pôr-do-sol perdido, não verá mais. Cariocas e paulistas – parabéns. Hoje percebo o que eu tinha no Rio de Janeiro em termos de cena Cult e me alegro por ter aproveitado isso ao lado da minha preta, noites e tardes caminhando pelo centro da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro! Aqui contamos nos dedos os cults. Não é só estilo, é postura de vida, os caras realmente nadam contra a maré e, parafraseando Marcelo Camelo, apontam pra fé e remam.
Não tinha a minha preta ontem, mais tinha meu amigo humorista. O curioso dos humoristas é que eles têm uma sensibilidade diferente de nós poetas. São olhos alegres mesmo que com lágrimas.
Lacrimejei por conta da história do artista Arnaldo Baptista. Me arrepiei com suas palavras. Com a trajetória de alguém que hoje se mostra feliz depois de tudo que passou. Ele entrou e ele saiu. Foram escolhas e no fim das contas ele escolheu ser feliz.
Um dia, um dia tardio de minha partitura, escolhi o Allegro, quando, na verdade, o Andante seria o mais sensato. As pessoas, às vezes, confundem esses dois andamentos. O primeiro, na partitura da vida, nem sempre é sinônimo de alegria, felicidade, ele pode ser destruição. É um tempo rápido e nas coisas rápidas, nos sons e falas rápidas você não degusta cada nota, cada ponto de aumento, cada Fermata. O Andante tem sua beleza, sua finura. Arnaldo Baptista foi aonde, talvez, poucos chegaram e conseguiu voltar ao Dal Segno. Arnaldo Baptista, o eterno Mutante, o cabeça do grupo, autor da maravilhosa Balada do Louco ao lado daquela que lhe proporcionou o andamento macabro, ele pode dizer fui além do Presto, fui ao Prestíssimo... e voltei!
Claro, ele não voltou cem por cento, mas quem é cem por cento? Nessa vida em que cantamos, a cada dia, uma nova canção, quem é cem por cento? O poeta? O humorista? O Fisiologista? O Medievalista? O Alquimista? Quem?!
Quando saí da sessão não podia ir para casa, queria ver essa partitura notívaga, queria ter nas mãos as notas daquela madrugada. E vimos as putas ou parte delas. Os travecos, os marginalizados. Idênticos em todo lugar. São quase simbologias andantes: as putas, os travestis, os bêbados e nós os músicos das palavras ou fingidores de sons. Vimos os poucos – ou quase nenhum – bares abertos aqui de Aracaju. Vimos casais, amigos e a lua. O vento era frio. A madrugada silenciosa. Talvez, os dois ali perceberam o que já sabem na prática: a felicidade é parte da partitura de cada um de nós. É uma peça que deve ser tocada livre, uma peça que só permite improviso, é contra ensaios. A felicidade é o título de um rock progressivo. Não sei se Gênesis ou Rush. Não sei nem se Os Mutantes. A questão é: em que andamento você tocará essa canção?
Como eu disse, um dia toquei minha felicidade em Allegro, não ousaria dizer que um dia estive pelo menos em Presto, esse andamento já é para os gênios. O Prestíssimo é para os mitos. O Allegro é um andamento para nós, pessoas comuns.
A comparação que me permito fazer, já me achando abusado demais, com o mito Baptista, é que também tive meu Dal Segno. Minha menina dos olhos, a menina que tem o brilho nos olhos, que quando pisa em Aracaju para me ver ilumina todo o Aeroporto, tornando desnecessário qualquer tipo de iluminação. Ela ainda está em ritornello mas logo, logo tocará comigo nossa partitura de vida.
Hoje estou em andamento Andante, às vezes, Moderato, mas não quero mais saber de Allegro. Loki – Analdo Baptista, apenas me reafirmou isso. Apenas deu cabo a um compasso que precisava chegar ao fim. E assim como o verso citado de Gonzaguinha, tenho certeza disso e isso me conforta, zumbirá outros dias em meus ouvidos – isso tem que acontecer e acontecerá, são os ritornellos da partitura –, com ele mesmo vou diminuindo a intensidade do som de hoje. Mas com outro extremo, pois sou “Pessoa” e todos nós somos pessoas e devemos ser e ter pessoas e eu quero ser “Pessoa”, eu quero exatamente isso, ser:

“Pessoa”

Seja sempre o sorriso de uma pequena criança em mim
Seja sempre o seu brilho de vida em meus olhos até o fim
Quando o som quebramar dessas ondas um dia vier me embalar
Com o tempo em que calmas as tardes recebem seu negro lençol
E, até lá, através dessas noites de estrelas no céu
Seja eu como sou mesmo quando se faz um temporal
Uma luz referência pr’aquele que não teme a dor
Um cantar esperança, uma chama repleta de amor
Um veleiro que sabe o destino na palma da mão
A firmeza dos passos cravado no pó desse chão
Consciente de ser tudo o quanto sonhei
Demais
Uma pessoa
Um coração


Ps. Palavras (letra e música de Gonzaguinha) gravada no disco Luis Gonzaga Jr. de 1973 e Pessoa (letra e música de Gonzaguinha) gravada no disco Recado de 1978.

2 comentários:

Ora, Bolas! disse...

Mano Velho, que cada nota deste adágio se transforme em adaga contra os "dessentimentos" vazios. Não queira entendê-los, nem sequer explicá-los. Felicidade não é o destino, mas o caminho até onde der, e seja lá pra onde for! A felicidade é uma escolha, não um acaso!

Um grande e "bem humorado" abraço!
Esse teu texto foi F@&%!!!

G. Alvaro disse...

Boa partitura.


Pena é que não sei ler notas.