ventríloquo [Do lat. tard. ventriloquu.] Adjetivo. Substantivo masculino. 1.Diz-se de, ou aquele que sabe falar sem abrir a boca e mudando de tal modo a voz que esta parece sair de outra fonte que não ele. E assim são os textos. Ao menos os que escrevo. Eles têm várias vozes. Minhas várias vozes. Em tempo. Tempos nublados ou com sóis. Não há muito o que dizer sobre mim. O resto está aí. Várias vozes sem mover meus lábios. O ventríloquo.
domingo, 25 de janeiro de 2015
L’art de conjuguer. Dictionnaire des huit mille verbes usuels. Je suis Yuri? Tu es Yuri? Il est Yuri? Je serais Yuri? J’aurais été Yuri? Que j’eusse été Yuri!
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
A tristeza de um folião...
Acho que anda ficando evidente: tristeza. Muita coisa boa, sem dúvida. Mas a tristeza vem como vento, às vezes. Você se desvia, mas tudo te faz lembrar de um momento, de um período, de um segundo exato, quase que parado nas teias do tempo. Comovente, não?
“A memória é seletiva” sempre disse a Preta. Menos mal, para onde olho aqui, não lembro do carnaval que cresci vendo. Só ouço a palavra. É carnaval. Porém não é meu carnaval, nem pior ou melhor, apenas não é meu. Não posso listar nada que me incomode, não são muitas coisas nem poucas – não são listáveis. Apenas não estou onde queria estar, não suo como queria suar: paciência (coisa que não tenho).
Na TV, um documentário sobre um bloco tradicional do Rio de Janeiro: O Cacique de Ramos. De quebra ainda um destrinchar sobre outro que tem se tornado um dos melhores blocos para se perseguir com a família: O Cordão do Boitatá.
Com este último tenho uma relação muito íntima, quase religiosa, me aproprio aqui da tese de Aldir Blanc em letra que veste a belíssima melodia de Moacyr Luz, em Vitória da Ilusão se argumenta: “Carnaval, missa campal do povo brasileiro/ Onde a hóstia sagrada é o pandeiro/ Carnaval, celestial império do trambique/ Onde o crente idolatra o repique...”. E é mais ou menos isso mesmo. Difícil não dar nem que seja uma espiadinha nos desfiles, não acompanhar o Jorge Perlingeiro abrindo os envelopes, dando as notas... Você ali, sentado no chão da sala de estar com amigos depois de uma rabada de boi, depois de passar o final de semana inteiro correndo atrás de blocos de rua no Centro.
Como se cansar saindo atrás do cortejo do Boitatá, em pleno domingo, às 8:00 e continuar no seu baile aberto na Praça XV até às 16:00? E ainda pedir mais! Como se cansar? Comer milho cozido e salsichão o dia inteiro. Bebendo cerveja latão, tomando banho de água de gelo dos isopores... como se cansar? Meu camarada: “só se for agora...”. Mas não é...
As figuras lendárias do meu carnaval de rua: Kimon, o verdadeiro carnaval é ao seu lado. Thiagão e seu chapéu de camisinha da rádio Globo! Renatinha e Brunão, com os roteiros de blocos sempre guardados na bolsa... Esses dois só vejo nessa época mesmo. Pauli e Amoreco... Eu e Preta! Dá-lhe cerveja, dá-lhe barganha com os camelôs... “Só se for agora...”. Mas não é...
Como se cansar de ouvir Moyseis Marques (fantasiado de Moyses!)? Teresa Cristina e sua tradicional camisa de times! Pedro Miranda e sua peruca loira? Ali, cantando no palco do Cordão do Boitatá e a gente lá embaixo pulando no sol escaldante... Torcendo pr’algum camelô jogar pro alto gelo derretido... Dali puxar para Zona Sul, metrô lotado... Fantasia de tudo que é tipo... calor e você: sorrindo. E se me perguntam: “mas hoje você está melhor?” Eu respondo cantando: “Carnaval passional:/ Veias de serpentina,/ A alma de isopor e purpurina...”. Carnaval e carnaval e como diria o jovem Chico Buarque de Hollanda, lá pelos idos de 1966: “Era uma canção, um só cordão/ E uma vontade/ De tomar a mão de cada irmão pela cidade/ No carnaval, esperança/ Que gente longe viva na lembrança...”. E esses irmão, estão aqui, no coração e na lembrança! Bom Cordão do Boitatá para vocês galera!
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
A sobreviver
Faz um tempo que não converso com você. Mas o silêncio não me doeu a alma. Estou escolhendo boas palavras para degustação, para uma boa prosa, regada ao som da minha própria voz.
Ainda meio exausto pela alegria, uma febre chata me assola, uma coriza me toma tempo e parágrafos, nem me tomo a escrever poesias de fichário. Mas amanhã tem bloco, sábado tem feijoada e caipirinha e mais bloco a noite – vou ver a preta rodar, seja por alto teor alcoólico ou por frescor de alma. Há tempos não converso com você, meu Rio de Janeiro. As lágrimas de São Sebastião escorrem pelas ladeiras – Angra desolada. Cascadura e Madureira inundadas, mas devo ter coragem, ainda hoje rumo para lá – o subúrbio me consola.
Ouço calmamente o primeiro disco do João Bosco. Fico navegando pelo site da Sebastiana. Não sei o que fazer. Também sei as coisas que me pesam nas costas. A tese, a vida e o sorriso. Segunda-feira, retorno a Aracaju: “eu estou remando rio acima por prazer... não a nada a desculpar, foi por querer”. Continuo com as músicas do disco do Bosco e assim vou seguindo ouvindo a chuva, os raios e os trovões.
Minha esposa foi ao shopping. Estou na casa dos meus pais. Estou em paz e sem nada para escrever pr’O Ventríloquo – paciência: “eu estou remando rio acima por prazer... não a nada a desculpar, foi por querer”.
Nessa ausência de inspiração toda, transcrevo, uma das músicas que está nesse primeiro disco de 1973, que na minha opinião é uma das melhores. Na verdade, esse disco, que tem o clássico “Bala com bala” tem várias outras pérolas!
Música: Nada a Desculpar
Autores: João Bosco & Aldir Blanc
Dentre as mentiras da vida
duas nos revelam mais:
- É um prazer conhecê-lo.
- Era muito bom rapaz.
Eu vou é sair de trás da mesa
espiar que é que tem ali de baixo.
Se eu for embora
vou deixar a luz acesa
e se voltar
não limpo os pés
no seu capacho.
Dizem que é fogo atingir
com o meu estilingue
as vidraças insensíveis
do Shopping Center Building.
Se você me perguntar
o que é que eu acho
mesmo que eu ache
eu já digo que não acho.
Enquanto brincam no gramado
as moças chiques
eu quero chuvas pra estragar o piquenique.
Eu não provei aquele tipo de xarope
que está por cima
nas pesquisas do IBOPE:
eu estou remando rio acima
por prazer,
não há nada a desculpar
foi por querer.
Me passe o sal
pra botar na sobremesa
o Grande Público
cansou minha beleza.