Eu poderia aqui narrar toda minha jornada no dia que se passou, mas hoje quero apenas confessar ao léu minha nudez, a nudez de minha alma. Uma história não muito diferente das muitas por aí.
Sou pessoa de poucos amigos. Mesmo que isso pareça desconfortante ou dramático, é a pura verdade e dos poucos amigos que carrego como pedrinhas numa pequena lata de ervilhas, a grande maioria tem quase o dobro da minha idade, são pessoas cujas carreiras já estão consolidadas, já sonharam seus sonhos, alguns plantaram árvores, tiveram filhos e escreveram livros.
Eis que chego ao ponto máximo de minha solidão (novamente). Virão madrugadas que com afinco tecerei como ourives cada capítulo de algo que não vai além das prateleiras sombrias de uma biblioteca universitária ou do desconhecido Banco de Teses e Dissertações da Capes. E são nessas noites que me questiono, não meu prazer pelo ofício que tenho em mãos, mas os motivos que me levam a fazer o que faço.
Hoje tirei o dia para o claustro. Tomei todas as precauções dignas de um bom orientando, enviei e-mail explicando minha ausência no debate das duas resenhas de livros que confesso ter lido por “orelhas”. Resenhas feitas por graduandos que não tenho muito contato. Não que haja desinteresse neles, pois acredito ferrenhamente que são melhores do que fui nesse mesmo período de vida acadêmica, mas algo pesou mais e não foram só os dois ônibus que tenho que pegar para chegar ao Instituto ou mesmo a volta cansativa para casa. O que pesou foi o sonho. E mais uma vez esse sonho me toma a alma e o tempo que tenho contra mim.
Quando entrei na universidade lembro-me que pensar em fazer um mestrado era um sonho absurdo e longínquo, alguém me fez acreditar no meu próprio sonhar. E foram noites longas. Discussões tolas com meus pais que não entendiam bem meu “trabalho árduo” frente ao computador. Recordo-me das horas de almoço dispensadas para, entre tambores de resina e sacos de talco químico, rascunhar um pré-projeto.
Confesso agora não ter que levantar pesos enfadonhos, disputar cada minuto precioso do meu tempo para pôr no papel uma idéia, um parágrafo sequer. Talvez o que doa, incomode, seja dentro do meu próprio lar isso não ser identificado como labuta.
Por que continuar estudando? A faculdade já acabou há tanto tempo... Para quê doutorado?
Lembro-me bem que no período de seleção para o concurso de mestrado, saí por uns tempos de casa, eram outros tempos, tempos loucos que não me fazem falta. Só entrava em meu quarto para passar pr’o antigo computador o que eu rascunhava pela rua, pelos bares, pelas bibliotecas. Foram tempos outros. Acho que setenta por cento do que li e escrevi no meu pré-projeto foram lapidados ora no meu trabalho como auxiliar de serviços gerais, ora na rua ou nas praças públicas como o Campo de Santana, por exemplo. Imagem eterna para mim: as cotias do Campo de Santana.
Não me resta muito daquela época. Mas respiro fundo e mergulho na madrugada, um som, alguma fumaça, raramente uma cerveja ou um copo de vinho. Agora mais uma vez quero vencer meu tempo, pois parece que para mim o medo do fracasso não existe, talvez, somente o medo do não tentar. Filosofia forte, eu sei. Uma coisa meio Rocky Balboa. Socos e mais socos e o não saber a hora de jogar a toalha. Mas segundo Marcus, isso faz parte da minha trajetória, talvez, o não ter nada a perder. Mas eis que, por conselho dele, é hora de perder um pouco a ingenuidade e saber a hora de se defender, de recuar, de escolher os caminhos mais seguros para um dia consolidar uma carreira. Talvez quando ele me fez sonhar meu sonho visse isso e me preparasse para isso.
Depositei cada ficha que tinha na possível aprovação na seleção do mestrado. Deixei um mundo cômodo para trás. Refiz-me e desfiz vários planos que não eram meus. Dei um salto sem medir a profundidade do precipício que estava bem abaixo. Tenho certeza de que tinha mais inimigos que amigos torcendo por mim. E quando vi meu nome na lista dos aprovados liguei para meus pais. Liguei para Marcus. Abracei minha (agora oficialmente) orientadora. Liguei para mim mesmo e me disse: consegui. E agora, com a distância que mais uma vez o tempo me traz daquele período, me lanço num novo caminho.
Não que eu ache que meus pais não torçam por mim, não acreditem em minha capacidade, talvez, apenas não entendam a profundidade que isso tenha para minha vida e não só profissional, mas como ser humano. Pois aprendi a ver na História minha fuga para os devaneios da vida.
Não tenho nenhuma semelhança com o personagem Monty Kessler, do ótimo filme With Honors. Eu sei que minha dissertação não é minha vida, mas nesse momento seu fim é um possível passaporte para uma nova...
Um comentário:
Passei pra te deixar um beijo, matar as saudades e, agora, te lendo, pra reafirmar meu desejo de que tenha sucesso em seus empreendimentos.
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