Francisco Goya y Lucientes (1746-1828), Los Caprichos, Plate 39 Asta su Abuelo. And so was his grandfather Etching with burnished aquatint, courtesy of Arthur Ross, New York City
(Aos amigos Fernando e Marcus)
Logo após o natal encontrei-me, juntamente com minha Ana, com alguns nobres amigos que já me acompanham desde longa data. Na verdade, considero que são os únicos que ainda tenho o privilégio de manter contato fiel lá dos tempos de Padre Miguel.
Todos tínhamos motivos muitos para comemorar, por Deus, fico agora a pensar que já há dois anos só tenho tido bons motivos na vida! Curioso isso, pois a pena na mão tem estado leve e a escrita mais suave, da poesia à prosa. Minha voz não anda rouca, poucos são os desafinos e é deste jeito, ao som do ótimo álbum Pixinguinha + Benedito – Mário Seve + David Ganc, que solto a voz como sortilégio e com pitadas de vodca para ver se ao final da conversa consigo dormir.
Mas como dizia, ganhei de um grande amigo, que muito me inspirou em minha trajetória acadêmica, um exemplar do ótimo livro do filósofo Friedrich Nietzsche: Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Confesso que, assim como o “Cavaleiro Inexistente”, também recebido alegremente como presente na mesma ocasião, eu já possuía tal pérola da filosofia alemã. Contudo, e aqui cabe bem a advertência, não há presente melhor, repetido ou não, que um livro com dedicatórias de pessoas amigas, além do mais, devo dizer, as edições que possuo dos tratados citados não chegam aos pés das que fui presenteado naquele jantar tão agradável.
O livro que Fernando me deu caiu como uma luva ao dia, ao ano, ao contexto, e como é caro, para nós historiadores, o contexto! “Além do bem e do mal”, talvez seja uma das frases que eu e o hilário e talentoso Fernando mais ouvimos em prosas ora reflexivas, ora animadas regadas a um bom chope com Marcus.
“Chegar ao status, estar acima, além do bem e do mal”. Esta é, ainda, sem dúvida nenhuma, a visão futuresca de todo aquele que se envereda pelos caminhos da vida acadêmica – em sua grande parte.
Uma vida cheia de vaidades, frágeis subterfúgios amargos, desavenças e de poucas, pouquíssimas amizades verdadeiras. Vida de uma mão, certamente uma mão, pois somente com uma, talvez duas, pode-se contar os amigos e com várias os desafetos – sugiro a utilização, também, dos dedos dos pés.
“Estar além do bem e do mal” nos dizia Marcus saboreando o chope na Cobal do Humaitá numa madrugada chuvosa em suas primeiras férias no Rio de Janeiro após ser aprovado como professor adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso.
Naquele tempo, naquele dia, eu ainda vislumbrava a entrada no mestrado. Fernando havia acabado de ser aprovado. Um mundo novo diante dos nossos olhos.
Daí a importância do Além do bem e do mal do Nietzsche no jantar em dezembro último. Livro que recebi com um sorriso. O mesmo sorriso tateado pelas pontas dos meus dedos quando recebi das mãos de Graça e Marcus o exemplar de O cavaleiro inexistente, cuja dedicatória me mantêm firme nos meus propósitos. Livro que já li duas vezes e cujo trecho que agora descrevo – “mas concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada”[1] – me acompanha desde que o li pela primeira vez.
Quando passei no doutorado, ouvi de minha orientadora que sua satisfação era grande e que seus planos para mim em dois mil e nove eram vários, principalmente no auxílio na orientação dos novatos. O ano começou realmente assim.
Minha primeira tarefa tem sido a co-orientação final de um graduando cuja monografia apresenta problemas curiosos. Para mim um trabalho gratificante, pois se é isso que quero para o futuro é isso que devo fazer já de agora. Triste para o rapaz que terá que corrigir cada linha do seu texto, ainda truncado e, querendo ou não, ninguém gosta muito de ser corrigido.
Ao mesmo passo, me recordo da frase que ouvi de um outro amigo que seguirá para o Mato Grosso esse ano como professor assistente da mesma UFMT: “agora fico mais tranqüilo, não pesquiso mais para trabalhar, trabalho para pesquisar...”. A frase tem sentido lógico. Um sentido que agora sinto na pele como urticária. Minha matrícula ainda não foi feita no doutorado, mas as responsabilidades de tal condição já me cercam. Em meio à revisão final da dissertação. Em meio às criticas a monografia do graduando, parirei um artigo. O e-mail foi claro: “agora é vida de doutorando, meu caro. A preocupação não é apenas o doutorado, mas também um lugarzinho numa federal.”.
Bem se alguém ainda não entendeu a máxima “estar acima do bem e do mal”, explico de forma simples, mesmo sendo desnecessário, após o texto do e-mail que não preciso citar a fonte: Não é se tornar melhor que todos, melhor que o mundo, tampouco, tornar-se o dono da verdade. Esse nunca foi meu objetivo, nem o nunca será. Não há nada relacionado ao livro do Nietzsche. Não há loucura em tal fala na mesa do bar. Em tempos de crise, até uma criança entenderia. Trata-se de estabilidade e de certo modo: liberdade. Escrever em primeira pessoa. Independência acadêmica, mesmo dentro dos micropoderes, basta apenas saber onde pisar. Evitar os calos dos outros e são muitos. Seguir com os “cavalos da história” diria eu.
Pois no fim do caminho, e sei que esse meu caminho terá de ter um fim, há de ter um fim, por favor, eu creio no fim, não quero citar a mim mesmo, ouvir de mim mesmo as palavras do velho Nietzsche: “É terrível morrer de sede no mar...”.[2]
E a conversa durou todo o Cd... E a conversa acabou com toda a vodca e não me fez adormecer!
Ps. Sim, a gravura de Francisco Goya y Lucientes é uma doce provocação visual.
[1]CALVINO, Italo. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 59.
[2]NIETZSCHE. Friedrich. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 64.
Todos tínhamos motivos muitos para comemorar, por Deus, fico agora a pensar que já há dois anos só tenho tido bons motivos na vida! Curioso isso, pois a pena na mão tem estado leve e a escrita mais suave, da poesia à prosa. Minha voz não anda rouca, poucos são os desafinos e é deste jeito, ao som do ótimo álbum Pixinguinha + Benedito – Mário Seve + David Ganc, que solto a voz como sortilégio e com pitadas de vodca para ver se ao final da conversa consigo dormir.
Mas como dizia, ganhei de um grande amigo, que muito me inspirou em minha trajetória acadêmica, um exemplar do ótimo livro do filósofo Friedrich Nietzsche: Além do bem e do mal: Prelúdio a uma filosofia do futuro. Confesso que, assim como o “Cavaleiro Inexistente”, também recebido alegremente como presente na mesma ocasião, eu já possuía tal pérola da filosofia alemã. Contudo, e aqui cabe bem a advertência, não há presente melhor, repetido ou não, que um livro com dedicatórias de pessoas amigas, além do mais, devo dizer, as edições que possuo dos tratados citados não chegam aos pés das que fui presenteado naquele jantar tão agradável.
O livro que Fernando me deu caiu como uma luva ao dia, ao ano, ao contexto, e como é caro, para nós historiadores, o contexto! “Além do bem e do mal”, talvez seja uma das frases que eu e o hilário e talentoso Fernando mais ouvimos em prosas ora reflexivas, ora animadas regadas a um bom chope com Marcus.
“Chegar ao status, estar acima, além do bem e do mal”. Esta é, ainda, sem dúvida nenhuma, a visão futuresca de todo aquele que se envereda pelos caminhos da vida acadêmica – em sua grande parte.
Uma vida cheia de vaidades, frágeis subterfúgios amargos, desavenças e de poucas, pouquíssimas amizades verdadeiras. Vida de uma mão, certamente uma mão, pois somente com uma, talvez duas, pode-se contar os amigos e com várias os desafetos – sugiro a utilização, também, dos dedos dos pés.
“Estar além do bem e do mal” nos dizia Marcus saboreando o chope na Cobal do Humaitá numa madrugada chuvosa em suas primeiras férias no Rio de Janeiro após ser aprovado como professor adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso.
Naquele tempo, naquele dia, eu ainda vislumbrava a entrada no mestrado. Fernando havia acabado de ser aprovado. Um mundo novo diante dos nossos olhos.
Daí a importância do Além do bem e do mal do Nietzsche no jantar em dezembro último. Livro que recebi com um sorriso. O mesmo sorriso tateado pelas pontas dos meus dedos quando recebi das mãos de Graça e Marcus o exemplar de O cavaleiro inexistente, cuja dedicatória me mantêm firme nos meus propósitos. Livro que já li duas vezes e cujo trecho que agora descrevo – “mas concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada”[1] – me acompanha desde que o li pela primeira vez.
Quando passei no doutorado, ouvi de minha orientadora que sua satisfação era grande e que seus planos para mim em dois mil e nove eram vários, principalmente no auxílio na orientação dos novatos. O ano começou realmente assim.
Minha primeira tarefa tem sido a co-orientação final de um graduando cuja monografia apresenta problemas curiosos. Para mim um trabalho gratificante, pois se é isso que quero para o futuro é isso que devo fazer já de agora. Triste para o rapaz que terá que corrigir cada linha do seu texto, ainda truncado e, querendo ou não, ninguém gosta muito de ser corrigido.
Ao mesmo passo, me recordo da frase que ouvi de um outro amigo que seguirá para o Mato Grosso esse ano como professor assistente da mesma UFMT: “agora fico mais tranqüilo, não pesquiso mais para trabalhar, trabalho para pesquisar...”. A frase tem sentido lógico. Um sentido que agora sinto na pele como urticária. Minha matrícula ainda não foi feita no doutorado, mas as responsabilidades de tal condição já me cercam. Em meio à revisão final da dissertação. Em meio às criticas a monografia do graduando, parirei um artigo. O e-mail foi claro: “agora é vida de doutorando, meu caro. A preocupação não é apenas o doutorado, mas também um lugarzinho numa federal.”.
Bem se alguém ainda não entendeu a máxima “estar acima do bem e do mal”, explico de forma simples, mesmo sendo desnecessário, após o texto do e-mail que não preciso citar a fonte: Não é se tornar melhor que todos, melhor que o mundo, tampouco, tornar-se o dono da verdade. Esse nunca foi meu objetivo, nem o nunca será. Não há nada relacionado ao livro do Nietzsche. Não há loucura em tal fala na mesa do bar. Em tempos de crise, até uma criança entenderia. Trata-se de estabilidade e de certo modo: liberdade. Escrever em primeira pessoa. Independência acadêmica, mesmo dentro dos micropoderes, basta apenas saber onde pisar. Evitar os calos dos outros e são muitos. Seguir com os “cavalos da história” diria eu.
Pois no fim do caminho, e sei que esse meu caminho terá de ter um fim, há de ter um fim, por favor, eu creio no fim, não quero citar a mim mesmo, ouvir de mim mesmo as palavras do velho Nietzsche: “É terrível morrer de sede no mar...”.[2]
E a conversa durou todo o Cd... E a conversa acabou com toda a vodca e não me fez adormecer!
Ps. Sim, a gravura de Francisco Goya y Lucientes é uma doce provocação visual.
[1]CALVINO, Italo. O Cavaleiro Inexistente. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 59.
[2]NIETZSCHE. Friedrich. Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 64.
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