quinta-feira, 26 de novembro de 2009

“O dia em que o morro descer...”


Daqui a poucas horas entrarei num vôo direto para o Rio de Janeiro, exatamente, às 13:55, vôo 1844, poltrona 6F. Deixarei para trás, por uma semana, algumas coisas que construí com esmero de ourives, nestes últimos seis meses: amizades, orientações – saudade. Viajo com um trecho de música na cabeça: “Caminho em frente pra sentir saudade” (Janta – Marcelo Camelo).
Curioso. Dia desses num papel amarronzado, um amigo daqui veio e me presenteou, com escrita de próprio punho, com a letra de um samba lindo, que eu confesso: não conhecia, do grande baterista Wilson das Neves: O dia em que o morro descer e não for carnaval. Hoje, ou ontem, nem sei mais, foi jogo do meu querido Fluminense. Amor que herdei de meu pai. Na verdade, amor que compartilho com ele! Esse mesmo amigo me ligou à tarde, ele vascaíno, ele Confiança: “quer assistir o jogo aqui em casa?”. Eu tinha mala para arrumar, ainda estava na UFS, foram dois dias complicados, angustiantes, saí um caco de lá. Acabei dizendo não. No fundo, queria muito dizer “talvez”, muitas coisas envolviam minha resposta a ele. Meu sim ou não, era muita coisa. No fim das contas, apareceu ele no meu apartamento com um vinho português, safra 2005, duas lasanhas e um bom papo, eu tocava violão antes de abrir a porta. Acho que foi bom o talvez.
Ele estava angustiado, tanto quanto estou agora na hora de falar essas coisas para você. Ele tinha seus motivos – eu tenho os meus. Foi uma boa conversa, sobre muita coisa, quase não falei nada, eu também estava no meu momento reflexivo, uma boa amizade também é isso: silêncio, foi quando você me ligou. Acabamos não vendo direito o jogo, menos mal, meu tricolor das Laranjeiras foi derrotado por 5X1 da LDU. Quarta-feira, estarei no Maracanã com meu pai. Temos fé.
Lembro do cd onde está esta canção do Wilson das Neves, lembro de ter estado com ele nas mãos na Livraria da Travessa do CCBB do Rio de Janeiro, há alguns anos. Dentre as muitas encomendas que tenho para trazer do Rio pros meus alunos: livros, artigos, camisa de time, cd’s, comprarei “O Som Sagrado de Wilson das Neves”, comprarei, pois é bom... Eu sei que é. Comprarei para mim. Me darei esse gosto: entrarei na Arlequim, de certa forma, onde tudo começou e comprarei. Com gosto, comprarei.
Minha angustia tem muitos motivos, medo de não voltar, medo de não chegar. Sempre comentei e ainda afirmo isso veementemente: não tenho medo de morrer. Nunca tive. Também nunca tive medo de voar, esse ano, está certo, voei mais do que o de costume. Mas a angústia está, justamente, não concretizar o que prometi – não sei se o vinho está fazendo efeito. Mas há um medo contido hoje em mim. Confesso. Preciso concretizar coisas aqui e lá. Preciso ver o sorriso do meu pai, ouvir a voz da minha mãe. O traquejo da preta. O cheiro da minha terra. Meus pés no chão. O chope no Abracadabra. O ritmo do Rio de Janeiro. Mas preciso, também, voltar. Pisar aqui de novo. Sei que preciso. Vou e quero voltar. Vou cheio. Volto transbordando. Pois há poesia. Pois amanhã, subirei meu morro. O morro onde cresci e aprendi a ser gente. Onde parte de quem sou foi formado. O morro. Uma das muitas ladeiras do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, onde, como já disse Chico Buarque: “cada ribanceira é uma nação...”. Amanhã volto para a minha. Deus há de permitir que sim. E se não? Vivi.
Meu amigo Kiko, o anjo mais velho (eu sou o anjo torto, vai entender!) está vindo aqui em casa agora, talvez, mais vinho, mais conversa. Mais bom papo. Hoje não quero ficar só. Ficar só é solidão. Hoje aprendi que não acostumei com ela: a solidão. Menos mal, pois isso me deixa um pouco mais feliz e menos angustiado. O relógio faz tic-tac, tic-tac, tic-tac. Logo apertarei o cinto. Observarei pela milésima vez os procedimentos de segurança. “Em caso de pouso na água os assentos de suas poltronas são flutuantes”. “Em caso de...”. Caso o se não se concretizar: vivi.

Um comentário:

Aquino Neto disse...

axo que o pecado de Wilson das Neves foi ter musicado esse poema.por melhor que fosse, axo que nunca superaria a beleza e a força dessas palavras!

uma vez estava eu matutando em por que as pessoas não ficam mal todas ao mesmo tempo, ou felizes.é complicado se ver em situação de felicidade, vendo um amigo ao lado triste.mas aí é que ta, sabe.o que seria de nós em nossos momentos de tristeza, se não fossem nossos amigos felizes pra nos dar uma palavra de conforto e um ombro amigo?

ah... e vamos colocar esse portuga tinto safra de 2005 em nossa lista. precisamos repetir a dose dele e do Argentino!

valeu por compartilhar de minha agonia!

e divirta-se por aí meu velho, vc merece!