sábado, 5 de dezembro de 2009

Doce andarilho...

Estou no Rio de Janeiro, é sexta-feira, dia 27 de novembro. Está quente, muito quente, meus cabelos já estão pedindo corte e agora, mais que nunca, pedem urgentemente para serem podados. Gotículas penduram-se em suas pontas cacheadas – a preta sorri.
Piso no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Largo de São Francisco de Paula, sem número, um prédio histórico, imponente. Quando o avisto me pergunto quantos churrasquinhos de gato da Sônia comi ali me banhando de latão de cerveja com os amigos no final das aulas? Quantas canecas de vinho e bolinhos de bacalhau foram por nós degustados nos finais de laboratório? Incontáveis conversas: futuro, passado, presente? Passado. Volto o pensamento para o presente e vou direto encontrar minha orientadora, temos que conversar: planos de capítulo, vida em Aracaju, notícias sobre minha atuação na Universidade Federal de Sergipe, minha tese de doutorado. A tarde ainda estava quente. Eu havia chegado no dia anterior, ainda me adaptava ao calor carioca – ao meu calor carioca.
Apresento meu trabalho, recebo as críticas, comentários, ponto final. Mais um papo com a orientadora. Já não estou mais lá. Estou agora sentado no tradicional Amarelinho da Cinelândia, confesso que já foi melhor, mas deixo o caso para lá. É sexta-feira. No IFCS, encontramos com Kimon Speciale (ou ele que veio ao nosso encontro).

Kimon é um daqueles amigos que você não consegue recusar um convite para beber. A preta não bebe ou pelo menos não bebe muito como nós. Os dois porres, contados por mim, que ela tomou foram quando saímos para beber com ele – a primeira vez foi no Araponga, nosso escritório na época das aulas de mestrado, se me lembro bem, foi um engradado de cerveja e passos trocados até o ponto de ônibus (se beber, não dirija!). Dá-lhe chope, e como era bem tirado, meu Deus, como era bem tirado, disso não posso reclamar! Posso sentir a primeira golada, o corpo esfriando aos poucos... “Mais dois, desce três, quatro...”. Saldo final, 43, 48? 50 tulipas? Nem sei mais! O importante é que matei uma vontade enorme. Colocamos os três o papo em dia. Sua namorada não estava, se estivesse, dupliquemos um pouco esses números com certeza! Juliana bebe bem também, me lembro, uma vez em Porto Alegre, confesso, a menina me barra. Às minhas costas o Teatro Municipal. A tarde dando aos pouquinhos espaço à noite. E o chope descendo gelado.

Outra incursão, outro relembrar de caminhada pelo Centro do Rio, bem mais tardia que essa minha rápida visita de trabalho... Acho que não contei essa. Mas vale.
Há uma aconchegante livraria, na Rua do Ouvidor, chamada Folha Seca... Para mim, um dos melhores atendimentos da cidade junto com o pessoal da Arlequim. Mas, enfim, numa noite fresca, caminhávamos eu e a preta e comentei que gostava de Maiakóvski, foi quando entramos nela e fui presenteado com um exemplar de Poemas, traduzido pelos irmãos Campos e Boris Schnaiderman. Belo. Inesquecível!
Ontem, quinta-feira, dia 03 de dezembro, entrei novamente na Folha Seca, só. Presenciei um bate-papo entre dois cariocas, um comprador e o dono, creio que é o dono da livraria, gente boa, por sinal, bom de papo também, mesmo que não seja o dono, é gente boa, isso é fato consumado. Os dois discutiam sobre os Nogueira, o João e o Diogo. Peguei a conversa meio que quase no fim, pensei em entrar, até ensaiei. Desisti. Queria apenas ficar ouvindo nosso sotaque, como me é caro nosso sotaque carioca! Me lembro que a resolução foi: o filho não é melhor que o pai. “O negócio dele é futebol, joga muito bem o garoto...” disse o comprador e foi embora, encerrando a contenda sambista. Eu procurava um livro de partituras do Gonzaguinha, publicado pela Irmãos Vitale... Não encontrei, o dono me pareceu mais triste que eu. Mais uma vez, ensaiei um papo, mas lembrei que a preta me esperaria no Centro Cultural Banco do Brasil, logo ali perto. A chuva caiu fina e refrescante. O tempo mudava no Rio de Janeiro. Quando abri a porta da livraria para sair, me virei e perguntei: “esse é o filho ou o pai?”. Ele sorriu e respondeu: “O pai...”. Lá dentro ficou o homem e o cd do João Nogueira tocando.
Na porta do CCBB, vi uma cena linda... Longe, eu via o sol se pondo, lá no fim da Avenida Presidente Vargas, ou pelo menos, no que eu conseguia ver entre a Igreja da Candelária e os altos prédios, ao lado oposto, o mar e um arco-íris bonito. Fiquei triste por estar sem minha máquina fotográfica. Eu estava no Rio de Janeiro. Os carros passando. O vai e vem das pessoas. Os chiados. Fotografei com o olhar. Só eu sei.
Era dia de livraria. Fomos parar na Arlequim. Café, livros, música boa. Tomei um ótimo cálice de vinho do Porto. Encontrei o cd do Wilson das Neves que eu tanto procurava. Comprei.

Hoje, o tempo virou de vez. Quase perdi o avião. A Linha Vermelha, a Avenida Brasil, acho que todo e qualquer acesso ao Centro do Rio de Janeiro, ao subúrbio, ao bendito Galeão, estava congestionado, foi aquele dia que o Rio parou.
Ao longe a Igreja da Penha, linda, imponente. Só, lá no alto. Só, como eu agora aqui em meu escritório. No meu apartamento em Aracaju. Ao longe ficou o Rio de Janeiro. Uma semana que passou como um dia. É esquisito chegar à sua cidade a trabalho, correndo, tendo que resolver coisas importantes e não curtir realmente as ruas, as noites, os dias. Um suspirar que se foi rápido e novamente a rotina. Acho que a frase da belíssima Só Dói Quando Rio, de Moacyr Luz e Aldir Blanc, resume bem o que eu senti quando pisei no Galeão: “só fico a vontade na minha cidade...”.


Mas isso passa. São reticências de um “doce andarilho”, como diria minha querida amiga Tatiane Reis. Como disse, agora pouco, ao meu primo Gustavo Alvaro, sempre que volto do Rio de Janeiro e piso em Aracaju, preciso de uns dias para me dar conta que não estou mais ali. Ao poucos, vivo novamente o ritmo daqui, a vida daqui e me apaixono novamente. Pois o que vale no fim é apaixonar-se por onde se mora. Mas amar, só amo um lugar. Agora vazio como um copo de chope na mesa de bar. Mas logo, logo, me encho de novo!





Nenhum comentário: