segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Corpos num íntimo circular - parte 1

Não sei como se formam os casais, tampouco até onde vai o infinito. Para a paixão a vida corre em círculos e uma vida é pouco para o inexprimível. Assim foi o que eu vi ou pressenti num sonho breve, cuja lembrança, me contaram numa mesa, dessas em que se serve petiscos e boa cerveja. Assim foi e assim conto...
Com uma sutil ousadia lhe despiu a alma em noites brandas e com as pontas dos dedos desembaraçou-lhe os cabelos longos e pretos – estava por cima de si e era leve e fantasiosa a menina.
Naquele canto da cidade, lugar onde os sonhos não se movem, os corpos derramados e as marcas de lábios, como impressões digitais, na borda das taças de vinho branco italiano, entrecortaram o vento que entrava pela sacada. Ao longe o longo caminho de volta para o nada, tendo em seu peito tudo que mais desejava: desejo.
Um disco antigo rodando na vitrola – era 71 – e um poema de Gullar ilustrava seu momento: Poema. As coisas daquele canto: os corpos, as taças, o vinho... o chocolate já quase derretido. O cheiro forte do suor e a língua no ouvido. Isso tudo ouvi. Sentado apreciando meu cigarro.
Um homem maduro, não tão jovem, mas não idoso, sentado, apreciando seu uísque, bocejava tais encantos para mim: “éramos dois: eu e a menina”.
Confesso não saber ao certo o que ele me impôs. Não sei se a garrafa gelada de cerveja para mim, suando ao sol do Rio de Janeiro. Não sei se foram depois as línguas defumadas à milanesa e o chope no Bar Luiz. Só sei que calmamente me contava seu 1971 e as noites sentindo nos lençóis o cheiro da mulher que lhe matou o apetite e lhe abriu os olhos para o mundo. “Uma menina” dizia ele em meio as baforadas do cubano.
Pagou mais uma conta e caminhando percorremos a Carioca até a Avenida Passos e paramos na Igreja Nossa Senhora Lampadosa. Não satisfeito com sua reza e com a tarde caindo, a conversa foi dar no Amarelinho e ali ficamos entre chopes e a Cinelândia com as luzes dos postes velhos acendendo. A agitada Praça Floriano com pessoas indo e vindo... rarefazendo.
Ele lembrava seus corpos nus, juntos no antigo colchão da casa. Aquele canto onde os sonhos não se movem, mas nos obedecem. Já cauteloso do fim, sentindo o fim perto, o homem bateu em meus ombros, sorriu e bem direto me disse: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Pediu o chorinho e partiu. Pensei em letra de samba, em poema de boêmio. Vasculhei cada canto do meu cérebro na longa jornada para casa e em nenhum lugar encontrei, no fundo, um verso tão marcante que resumisse o fim da juventude.

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