terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Por amar demais (Corpos num íntimo circular – parte 2)

Me surpreendi ao ver teus olhos úmidos. Não faz nem mesmo dois dias que eu lhe disse quando eu chegar te ligo. E eu não liguei.
No caminho encontrei João. Ele gosta de bar. Por fim, estávamos eu, João e alguns copos vazios na mesa de um bar de não me lembro onde. Mas não é por isso que não te liguei.
Eu, depois de João, reencontrei Doralice, uma amiga dos tempos de colégio – e como eram bons os tempos de colégio. Nos perguntamos como estavam fulano e sicrano. Com quem Maria havia se casado e porque Alberto se suicidou. Quando vi já passava das vinte. E dez foi o número de drinks que nós dois tomamos num bar distante daquele que eu e João nos sentávamos depois das aulas na universidade.
Não é nenhum tipo de sonho, pois dali continuei a mesma caminhada de sempre. Parei para comprar cigarros e percebi que tinha todos os bolsos vazios. Parei para comprar pois só me restava um rebento e o acendi e traguei como quem dá um suspiro longo antes da morte. Eu estava próximo à praia de Copacabana. As putas do calçadão poderiam ter pena de mim e, sei lá, quem sabe me cedessem dois ou três reais para a passagem de volta – pena elas não tiveram, pois esse é um sentimento para os fracos.
Àquela altura do campeonato eu já não queria ligar para o João ou Doralice, poderia pedir-lhes uns trocados ou, quem sabe, pegar de volta o que gastamos horas antes com bebidas e prosas inventadas. O eu não querer não quis dizer que não o fiz. João não atendeu a ligação a cobrar e de Doralice eu não lembrava o telefone...
Me lembrei que Fernanda me dizia que Copacabana é um grande quadrado de ruas... Peguei assim a Figueiredo Magalhães – pode procurar no mapa – e saí rápido da Avenida Atlântica, eu não tinha tempo disponível para continuar a caminhar ali e o mar me dava náuseas, ou talvez fosse o uísque barato? Assim, avistei a Barata Ribeiro e dali eu saberia sair...
Eu não te liguei por amor que tenho. Já bebi demais essa noite. Como disse, seu nome era João e seu nome era Doralice. Os dois juntos eram um homem, nem tão velho, nem tão jovem. Ele me contou histórias de um tempo de juventude. Um dezembro e uma mulher às vésperas de um grande encontro. Percorri com esse homem os botequins mais vagabundos, os inferninhos da Mauá, os bares mais tradicionais, os restaurantes mais chiques. Ele empunhava um charuto cubano e parecia exalar uísque caro, aquele que eu não posso beber. Falava gesticulando as mãos e tinha um sotaque carregado no x. Esse homem, eu não sei, brotou ao meu lado e eu nem vi. Quando percebi estávamos no Bar Luiz. Numa Igreja. No Amarelinho e o chope não acabava.
Eu não te liguei por amor e respeito que tenho por ti e por isso me surpreendi ao ver teus olhos úmidos quando eu disse que partiria e não voltaria mais. O homem falou que no Mato Grosso há empregos e terra de sobra para quem quiser ir. O morro me é um amor, o samba me é um alento. Mas subir todos os dias, confesso, eu já não agüento. Por isso não te liguei. Esse é o motivo de toda essa história. E eu procurei em todos os cantos um verso perfeito para te declamar, mas eu não conseguia. Antes do homem, peguei o bondinho e subi até Santa Teresa, enquanto o vento batia em meu corpo e meu corpo sobrevoava os arcos, senti vontade de pular como aquele rapaz próximo ao Circo Voador, porém, não tive coragem. Mas encontrei esse homem e ele me deu de graça esses versos de samba e eu não sei se é Ataulfo, Noel ou algum outro bamba, talvez, tenha sido o próprio porre que lhe deu uma banda, só sei que antes de partir sorrindo ele me disse quase cantando e me chamando de filho: “eu vivi o que pude e não me arrependo de nada, aproveitei enquanto pude toda bela madrugada...”. Me compreende agora a fadiga?

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