Sempre pensei muito no suicídio – sim, já li o famoso estudo
de Durkheim, aliás, duas vezes: uma obrigado e a última por uma certa
curiosidade e prazer. Sempre pensei muito, não por querer dar cabo à minha vida
ou ter tentado dar cabo à minha vida e fracassado, quando na verdade, não
queria no fundo dar fim aos meus rastros no cotidiano. Sempre pensei por certa
curiosidade mórbida, um assombro.
A primeira vez que ouvi falar de suicídio foi o do mal
falado Judas, o que traiu Jesus. Recordo, ainda muito menino, passar as férias
de inverno na casa dos meus avós em Realengo, uma casa de vila, grande e
desorganizada, cheia de tios e tias, meu avó num canto consertando sapatos,
aquele cheiro de cola misturado com o cheiro de louro no feijão preto que minha
avó gorda, muito obesa de seios fartos e caídos cozinhava nos domingos. Nesses
dias de muito frio, de meias e casaco de lã, uma tia me lia a Bíblia ilustrada
antes d’eu dormir e lá estava Judas – pobre Judas – ajudando na redenção da
humanidade, traindo o Cristo por algumas moedas e, ao que tudo indica, se
enforcando depois. Toda essa literatura de morte, redenção, etc, me chamava
muita atenção quando ouvia atento cada palavra e questionava cada absurdo daquela
narrativa e era calado pela fé cega e irracional que contrariava o próprio
Paulo, mesmo que tempos depois, eu começasse a desconfiar que Paulo era meio
maluco, pois, cá para nós, só um maluco para fazer o que ele fez. Enfim...
Adolescente, assim como criança, sabe lá os motivos, mamãe
me levava para que suas amigas e amigos me conhecessem nos hospitais em que
dava com eles plantão – orgulho de mãe, talvez. Conheci uma senhora, não me
recordo o nome e que mesmo não me recordando o nome, fio a dizer que foi a
primeira pessoa que “conheci” que se suicidou.
A história veio da boca de mamãe: Vestiu seu melhor vestido, redigiu uma carta dando coordenadas sobre como
queria ser sepultada. Separou senhas de contas, cartões, promissórias a pagar,
tudo. Fez uma medicação, tomou, deitou-se e não se levantou mais. Minha mãe
repetia sempre para mim, quase que como um mantra: Aquela não deu trabalho para ninguém. Queria mesmo se matar. Contava
parecendo até final de texto da Vida como
ela é.
Os anos passam e hão de continuar passando, é verdade. E
como ele passou, eu passei junto e ao pé dos Arcos da Lapa, bebendo e bebido,
conversando com uma morena amiga minha, de cabelos cacheados e que teimávamos
sair juntos lado a lado confessando nossos desamores, ouvi um barulho de saco
pesado espatifando no chão. Só tive tempo de olhar e perceber que o saco era
humano, perdão, era um cara que havia pulado dos trilhos e cheio de glória
manchou de vermelho o asfalto da Mem de Sá. Um burburinho, mas a noite
continuou e eu com ela.
Porém, mais impactante, já adulto, já mais velho ou sei lá o
que, foi um homem que pulou da janela do Ibis que vejo de frente do meu
apartamento velho. Impactante, pois em meio ao silêncio da movimentada avenida
que nos separa, posso crer que ele desistiu no meio do caminho e seu grito
cortou minha paz noturna, assim como os estilhaços de vidro com ele espatifaram
no chão.
Um grito seco. Que foi se esvaindo com a queda. O penar.
Depois disso, dei para ler cartas de suicídio: A do Torquato
foi a que mais me traumatizou. Dei para ver documentários, um norte americano,
que não me lembro o nome, durante muito tempo me dava pesadelos e suores em
noites frias. Até mesmo o Hugo Bidet me apavora o suicídio.
Nada disso me bastou: desativei minha conta no Facebook
naquele dia... Ah, se Judas soubesse, jamais teria se enforcado.
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