segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O suicídio... contemporâneo

Sempre pensei muito no suicídio – sim, já li o famoso estudo de Durkheim, aliás, duas vezes: uma obrigado e a última por uma certa curiosidade e prazer. Sempre pensei muito, não por querer dar cabo à minha vida ou ter tentado dar cabo à minha vida e fracassado, quando na verdade, não queria no fundo dar fim aos meus rastros no cotidiano. Sempre pensei por certa curiosidade mórbida, um assombro.
A primeira vez que ouvi falar de suicídio foi o do mal falado Judas, o que traiu Jesus. Recordo, ainda muito menino, passar as férias de inverno na casa dos meus avós em Realengo, uma casa de vila, grande e desorganizada, cheia de tios e tias, meu avó num canto consertando sapatos, aquele cheiro de cola misturado com o cheiro de louro no feijão preto que minha avó gorda, muito obesa de seios fartos e caídos cozinhava nos domingos. Nesses dias de muito frio, de meias e casaco de lã, uma tia me lia a Bíblia ilustrada antes d’eu dormir e lá estava Judas – pobre Judas – ajudando na redenção da humanidade, traindo o Cristo por algumas moedas e, ao que tudo indica, se enforcando depois. Toda essa literatura de morte, redenção, etc, me chamava muita atenção quando ouvia atento cada palavra e questionava cada absurdo daquela narrativa e era calado pela fé cega e irracional que contrariava o próprio Paulo, mesmo que tempos depois, eu começasse a desconfiar que Paulo era meio maluco, pois, cá para nós, só um maluco para fazer o que ele fez. Enfim...
Adolescente, assim como criança, sabe lá os motivos, mamãe me levava para que suas amigas e amigos me conhecessem nos hospitais em que dava com eles plantão – orgulho de mãe, talvez. Conheci uma senhora, não me recordo o nome e que mesmo não me recordando o nome, fio a dizer que foi a primeira pessoa que “conheci” que se suicidou.
A história veio da boca de mamãe: Vestiu seu melhor vestido, redigiu uma carta dando coordenadas sobre como queria ser sepultada. Separou senhas de contas, cartões, promissórias a pagar, tudo. Fez uma medicação, tomou, deitou-se e não se levantou mais. Minha mãe repetia sempre para mim, quase que como um mantra: Aquela não deu trabalho para ninguém. Queria mesmo se matar. Contava parecendo até final de texto da Vida como ela é.
Os anos passam e hão de continuar passando, é verdade. E como ele passou, eu passei junto e ao pé dos Arcos da Lapa, bebendo e bebido, conversando com uma morena amiga minha, de cabelos cacheados e que teimávamos sair juntos lado a lado confessando nossos desamores, ouvi um barulho de saco pesado espatifando no chão. Só tive tempo de olhar e perceber que o saco era humano, perdão, era um cara que havia pulado dos trilhos e cheio de glória manchou de vermelho o asfalto da Mem de Sá. Um burburinho, mas a noite continuou e eu com ela.
Porém, mais impactante, já adulto, já mais velho ou sei lá o que, foi um homem que pulou da janela do Ibis que vejo de frente do meu apartamento velho. Impactante, pois em meio ao silêncio da movimentada avenida que nos separa, posso crer que ele desistiu no meio do caminho e seu grito cortou minha paz noturna, assim como os estilhaços de vidro com ele espatifaram no chão.
Um grito seco. Que foi se esvaindo com a queda. O penar.
Depois disso, dei para ler cartas de suicídio: A do Torquato foi a que mais me traumatizou. Dei para ver documentários, um norte americano, que não me lembro o nome, durante muito tempo me dava pesadelos e suores em noites frias. Até mesmo o Hugo Bidet me apavora o suicídio.


Nada disso me bastou: desativei minha conta no Facebook naquele dia... Ah, se Judas soubesse, jamais teria se enforcado.

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