terça-feira, 15 de setembro de 2015

O Partido do Trabalhadores no poder e a "Síndrome do crítico de Fim de Churrasco"



            Em 1852, ao menos se reza que foi nesse ano, pode-se ler da pena e tinta de Karl Marx: A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.
            Citação hors concours entre muita gente, ora parafraseada, ora copiada cor por cor, a frase se tornou quase atemporal. Fugindo um pouco da hermenêutica, hoje pela manhã pensei bastante sobre o Pacote de Ajuste Fiscal anunciado ontem, 14 de setembro, pela equipe econômica do governo federal para “corrigir” o orçamento já deficitário de 2016.
            Infelizmente, me obrigo a cair no que podemos denominar como “Síndrome do Crítico de Fim de Churrasco”. Explico: O crítico de fim de churrasco é aquela pessoa que, após comer fatias de picanha, maminha, alcatra, contrafilé, asinhas de frango, linguiças de todos os tipos e gostos, beber toda a cerveja possível... critica o churrasqueiro (para bem ou para mal).
Com a pança cheia, senta-se numa cadeira branca de plástico ou aquela dobrável de ferro amarela ou vermelha de duas marcas populares de cerveja, com o umbigo semiamostra, arrota e diz: faltou um pouco mais de sal na maminha, a picanha estava muito seca... senti falta do cupim!
            O que quero dizer, é que o crítico de fim de churrasco – o churrasco é a melhor metáfora que posso utilizar – é o pior tipo de analista, seja do trânsito ou do FlaXFlu do último domingo. Ele é o pior tipo, pois analisa tudo ao término dos fatos. É covarde. Tem os resultados nas mãos, por isso, é covarde. A síndrome do crítico de fim churrasco é uma mazela no ambiente intelectual contemporâneo da terra brasilis. Mas, ao mesmo tempo, ninguém questionou em nenhum momento o crítico de fim churrasco: Mas por que você não assumiu a churrasqueira? Por que você ao provar a picanha não avisou que estava fora de ponto? Por que você, senhor crítico de churrasco, não tomou a atitude e colocou mais sal grosso na maminha, na alcatra? Por quê? Por quê?
            Não sabemos, só sei que caio agora na síndrome como muitos. Consigo numerar uns poucos que, de maneira coerente, já apontavam para o que aí se testemunha e até tentaram aqui e ali não comer da carne parcelada em duas, três vezes, no cartão de crédito corporativo. Espaços interessantes de interlocução intelectual como MPN ou Para ler sem olhar ditavam uma tentativa bacana e bem sensível de análise do be a ba político brasileiro (e grosso modo, mundial). Isso sendo eu tendencioso, o que não nego, já que tenho tido pouco tempo para leitura e estes são os que acompanho num ritmo mais constante. Certamente, há mais coisa boa por aí, porém, não me iludo: não tanto quanto se merecia a pauta em questão. Algumas atualizações reflexivas de timelines também merecem destaque, diga-se de passagem.
            O fato é, penso eu, e é hipótese, logo refutável ou não, que a própria atitude do governo federal de apresentar semanas atrás um orçamento deficitário para 2016, não sei se o jargão, nunca antes na história do Brasil pode ser utilizado e acho que não, foi uma estratégia política, mais uma vez, tacanha e que sinaliza bem o que as relações de negociação iniciadas pelo Partido dos Trabalhadores há mais de uma década resultaram: Uma eclosão de desconfiguração da ideologia do partido, a fragilidade de um governo coligado com ideologias completamente diferentes das suas e, ao mesmo tempo, que o joio não se separa do trigo. O desfacelamento em tempo real daquilo que chamamos  de ideologia de esquerda pode ter o Partido dos Trabalhadores como um exemplo cabal e mesmo a noção tripartite de sociedade, aquela do Dúmezil, acaba se sacramentando com a atual postura petista: O topo da pirâmide, além de preservado, é mantido pelas forças produtivas da base. Chega a ser engraçado pensar que este mesmo governo, não podemos ignorar e devemos reconhecer, possibilitou uma bela guinada – que agora foi freada – possibilitando o início real da erradicação da miséria em nosso país. Mas, a partir do refreamento, me parece, fará sangrar, junto com a moralista e tradicionalista classe média, esses ex-miseráveis e ex-pobres que, certamente, encontram-se presos ao rotativo do cartão, às prestações da TV de LED... O governo, talvez, sem dó nem piedade, fará sangrar suas bases (reais), que já começam a abrir os olhos para a realidade que a cerca. Mudemos um pouco o prisma, sem perder a fumaça do carvão vegetal que braseia o churrasco.
            Ora, em meio uma, talvez, não sei, precipitada greve dos quadros de servidores do executivo (professores, técnicos administrativos, etc., etc. E explico daqui a pouco o porquê da precipitação – mais uma vez “síndrome do crítico fim de churrasco”?), o governo vomita: Não há dinheiro para o ano que vem. Estamos em déficit. Em tese – bem em tese mesmo – até chego a acreditar que quem decidiu por isso pensou muito conscientemente: isso esvaziará as revindicações dos preguiçosos grevistas – sim, muitos são preguiçosos e militam mais no Facebook do que na rua. Mas, a rua virou o Facebook, paciência. As folhas das amendoeiras que caíram no chão esta semana estão mais mobilizadas e unidas do que meus colegas na universidade em que leciono.


            Deste modo – crítico de fim de churrasco – é fácil até perceber a tal da precipitação. Neste momento, momento ontem, não mais o do aviso do déficit, mas das medidas para “corrigir” o rombo, que as forças sindicais deveriam se reunir e decretar uma greve geral aos moldes belos e históricos, sim, nos moldes daqueles que ajudaram a gestar o Partido dos Trabalhadores, em que era possível testemunhar artistas fazendo show como os do Primeiro de Maio para financiar o corte de salários, etc., etc. Mas, se formos coerentes, não vejo uma real possibilidade. Ok, possibilidade sempre há, mas, me refiro ao fundamental apoio da sociedade.
 O problema é que esse passado “glorioso” tornou-se mitológico e pela lógica de relações, basta um primeiro corte de ponto dos servidores para que todos regressem ao trabalho. Claro, isso não acontecerá. Assim espero. Mas, no fundo a realidade é o horizonte que se desenha com a perda de apoio, cada vez maior, das camadas mais populares frente ao desgastado movimento sindical, ou seja, o grosso da sociedade que se verá, também, atingida pelos cortes, mas que não é tola e sabe que você servidor público federal faz parte de uma parcela substancial que ganha mais do que a maioria dos cidadãos comuns do nosso país. E o problema para nós é mais grave ainda: o serviço público federal no Brasil nunca foi lá uma grande maravilha e configura-se um sonho de comodidade, mais do que para uma minoria, de possibilidade de melhoria da nossa nação!
            Por outro lado, o governo age com malícia, mesmo distante, esse passado das greves que gestaram o Partido dos Trabalhadores ainda está no imaginário dos que hoje estão no poder e eles sabem como os sindicatos agem. Até eu que tenho apenas 32 anos aprendi rapidamente observando mais atentamente o discurso tão belo e profundo de alguns confrades.
Então entramos numa guerra midiática constante, de idas e vindas. Por um lado, os dinossauros sindicais que não tiveram sua fatia no bolo petista (no geral, é isso), de outro, alguns gatos pingados, jovens acríticos, covardes, logo “críticos de fim de churrasco”, que se sentem desconfortáveis em dizer: Olha, a coisa é mais complicada do que o que o seu sindicado informa em sua página no Facebook. Estes tem medo do linchamento público dos “proletários” professores que dirigem belos automóveis e passam férias na Europa. E sejamos francos: esses indivíduos sabem de cor e salteado a cartilha retórica de “como transformar uma opinião contrária à sua de ‘peleguismo’”.
            Esses mesmos encostos sindicais serão os mesmos que, em caso de um distante movimento mais significativo de impeachment irão às ruas defender esse governo de mãos dadas com os mais jovens “colegas” de cafezinho nas sedes sindicais, bom, curiosamente, assim espera o governo.
É claro que tal movimento de impeachment, conduzido pelas elites, que, mais à frente acredito que conseguirei demonstrar que abandonarão tal ideia, configura-se como claro golpe ao que chamamos de democracia. Não tenho dúvidas. Mas, se não me falha a má memória, o mesmo Partido dos Trabalhadores, em posição de oposição bombardeou o governo Tucano do FHC com pedidos idênticos. Se não me falha a má memória, o atual Vice-presidente da República, arquivou os processos quando estava à frente da Câmara. O atual presidente desta mesma Câmara, apenas aguarda os movimentos. Os dados estão lançados (e eles são viciados).
            Dois pontos: O governo está apostando e apostando muito no desconhecido e está levando fé demais que professores universitários, servidores em geral, movimentos sociais e mesmo o grosso da sociedade que ainda tinha numa vaga memória recente os avanços do governo petista, se acomodarão assim, tão facilmente. Simples na complexidade: Evidente, por um lado que há quase 90% de chance do movimento liderado pelas elites abafarem o processo tacanho de pedido de impeachment (afinal, contra a presidenta não há provas e, ao contrário, seu governo de fato tem sido aquele que mais buscou a transparência no quesito de punição ao mal da corrupção), o governo jogou as cartas na mesa e essas cartas são todas à direita, e esse é o grave problema. Como rezaria o figurino apresentou: Suspensão de concursos, aumento salarial dos servidores suspenso, PAC, Minha Casa e Minha Vida com redução, retorno da CPMF, etc. A elite, não foi tachada. As grandes fortunas continuam intactas. Os bancos privados continuarão a lucrar. O fantasma do impeachment me parece adormecer um pouco. Apenas um pouco. O presidente da Câmara, se mantém em silêncio. As elites, talvez, sorriam. Mas, se querem o poder (de fato), não me surpreenderia que isso trouxesse mais força ao discurso esdrúxulo de impeachment contra a presidenta da República. Porém, ninguém quer parar de lucrar, talvez haja mais lucro, depois dessa jogada apresentada no Pacote, manter a Dilma, sofrendo golpes cada vez maiores e aguardarem as eleições futuras. Seria, talvez, a última pá de cal no Partido dos Trabalhadores.
            O problema, para o governo, é que tais medidas atingem justamente suas bases mais populares de apoio e que, sejamos francos, já estavam descontentes. O discurso: Era ruim com o PSDB, melhor ruim com o PT, começa a perder fôlego. Talvez, sendo bem frio, desculpe, sendo bem crítico de fim de churrasco, o fato de uma greve universitária já se arrastando por quase três meses, greve do INSS e Técnicos Administrativos no mesmo pé, se não mais, estarem ainda em curso, seja o trunfo do governo para minar de vez nossas forças. Fato: Pais, alunos – desde que não vinculados e manipulados aos sindicatos – já estão descontentes. Aliás, professores já não estão satisfeitos, aliás, as Pós-Graduações funcionam, grosso modo, a todo vapor. Em suma: a própria sociedade já se desgasta pelo desgaste que a imagem dos servidores pintadas pelo próprio governo sofreu (ás em conduzir num passado glorioso greves e mais greves). Por outro lado, as forças sindicais contra-atacarão, as redes sociais são ótimos mecanismos para tal. Minha timeline está equilibrada: por um lado, dois ou três são mais críticos com isso ou aquilo outro. Mas, de fato, sendo sincero, sofremos todos da velha síndrome de crítico de fim de churrasco!
            Ao mesmo tempo, uma greve geral seriam, nesse momento, a melhor ferramenta de condução política para as bases, mas a precipitação passada nos deixa com a corda no pescoço. Esta frase é típica do crítico de fim de churrasco. Afinal, como poderíamos prever? Correto, não haveria possibilidade, contudo, maior calma na condução sindical, talvez, teria possibilitado à história um aspecto de menos tragédia e farsa.
            Tudo isso me coloca duas questões fundamentais que preciso beber um pouco mais para compreender: Primeiro, é um momento ímpar para uma verdadeira guinada social que, já não me iludo, não virá do Partido dos Trabalhadores. A reforma política, tão sonhada, não acontecerá. Segundo, o movimento sindical precisa ser revisto. As relações de força inseridas dentro dos sindicatos, principalmente, universitários, precisam reler Marx, abandonar o “aparato”, a utopia e pensar de maneira mais prática frente a conjuntura contemporânea. As ideias marxistas são relativamente jovens se o colocarmos diante de outras correntes de pensamento. O grande problema é o canonicismo no qual se transformaram as reflexões advindas de seus escritos. O problema não está na dialética do materialismo histórico de Marx, o problema está no tiozão do churrasco e no jovem critico de fim de festa que, na última década engordou bebendo cerveja e comendo picanha queimada. Se ele não se levantar, o próximo churrasqueiro, filho do tiozão, manterá o mesmo modus operandi que há um bom tempo, para trás e para frente, teremos que testemunhar.

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