Em 1852, ao
menos se reza que foi nesse ano, pode-se ler da pena e tinta de Karl Marx: A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como
farsa.
Citação hors concours entre muita gente, ora parafraseada, ora copiada cor
por cor, a frase se tornou quase atemporal. Fugindo um pouco da hermenêutica,
hoje pela manhã pensei bastante sobre o Pacote de Ajuste Fiscal anunciado
ontem, 14 de setembro, pela equipe econômica do governo federal para “corrigir”
o orçamento já deficitário de 2016.
Infelizmente, me obrigo a cair no
que podemos denominar como “Síndrome do Crítico de Fim de Churrasco”. Explico:
O crítico de fim de churrasco é aquela pessoa que, após comer fatias de picanha,
maminha, alcatra, contrafilé, asinhas de frango, linguiças de todos os tipos e
gostos, beber toda a cerveja possível... critica o churrasqueiro (para bem ou
para mal).
Com a pança cheia, senta-se numa cadeira branca de plástico
ou aquela dobrável de ferro amarela ou vermelha de duas marcas populares de
cerveja, com o umbigo semiamostra, arrota e diz: faltou um pouco mais de sal na
maminha, a picanha estava muito seca... senti falta do cupim!
O que quero dizer, é que o crítico de
fim de churrasco – o churrasco é a melhor metáfora que posso utilizar – é o
pior tipo de analista, seja do trânsito ou do FlaXFlu do último domingo. Ele
é o pior tipo, pois analisa tudo ao término dos fatos. É covarde. Tem os
resultados nas mãos, por isso, é covarde. A síndrome do crítico de fim
churrasco é uma mazela no ambiente intelectual contemporâneo da terra brasilis.
Mas, ao mesmo tempo, ninguém questionou em nenhum momento o crítico de fim churrasco: Mas por que você não assumiu a churrasqueira? Por que você ao provar a
picanha não avisou que estava fora de ponto? Por que você, senhor crítico de
churrasco, não tomou a atitude e colocou mais sal grosso na maminha, na
alcatra? Por quê? Por quê?
Não sabemos, só sei que caio agora
na síndrome como muitos. Consigo numerar uns poucos que, de maneira coerente,
já apontavam para o que aí se testemunha e até tentaram aqui e ali não comer da
carne parcelada em duas, três vezes, no cartão de crédito corporativo. Espaços
interessantes de interlocução intelectual como MPN ou Para ler sem olhar ditavam uma tentativa bacana e bem sensível de análise do be a ba político
brasileiro (e grosso modo, mundial). Isso sendo eu tendencioso, o que não nego,
já que tenho tido pouco tempo para leitura e estes são os que acompanho num
ritmo mais constante. Certamente, há mais coisa boa por aí, porém, não me
iludo: não tanto quanto se merecia a pauta em questão. Algumas
atualizações reflexivas de timelines também merecem destaque, diga-se de passagem.
O fato é, penso eu, e é
hipótese, logo refutável ou não, que a própria atitude do governo federal de
apresentar semanas atrás um orçamento deficitário para 2016, não sei se o
jargão, nunca antes na história do Brasil pode ser utilizado e acho que não, foi
uma estratégia política, mais uma vez, tacanha e que sinaliza bem o que as
relações de negociação iniciadas pelo Partido dos Trabalhadores há mais de uma
década resultaram: Uma eclosão de desconfiguração da ideologia do partido, a
fragilidade de um governo coligado com ideologias completamente diferentes das
suas e, ao mesmo tempo, que o joio não se separa do trigo. O desfacelamento em
tempo real daquilo que chamamos de ideologia de esquerda pode ter o Partido dos
Trabalhadores como um exemplo cabal e mesmo a noção tripartite de sociedade, aquela
do Dúmezil, acaba se sacramentando com a atual postura petista: O topo da
pirâmide, além de preservado, é mantido pelas forças produtivas da base. Chega
a ser engraçado pensar que este mesmo governo, não podemos ignorar e devemos
reconhecer, possibilitou uma bela guinada – que agora foi freada –
possibilitando o início real da erradicação da miséria em nosso país. Mas, a
partir do refreamento, me parece, fará sangrar, junto com a moralista e
tradicionalista classe média, esses ex-miseráveis e ex-pobres que, certamente,
encontram-se presos ao rotativo do cartão, às prestações da TV de LED... O governo, talvez, sem dó nem piedade, fará sangrar suas bases (reais), que
já começam a abrir os olhos para a realidade que a cerca. Mudemos um pouco o
prisma, sem perder a fumaça do carvão vegetal que braseia o churrasco.
Ora, em meio uma, talvez, não sei,
precipitada greve dos quadros de servidores do executivo (professores, técnicos
administrativos, etc., etc. E explico daqui a pouco o porquê da precipitação –
mais uma vez “síndrome do crítico fim de churrasco”?), o governo vomita: Não há
dinheiro para o ano que vem. Estamos em déficit. Em tese – bem em tese mesmo –
até chego a acreditar que quem decidiu por isso pensou muito conscientemente: isso esvaziará as revindicações dos preguiçosos grevistas – sim, muitos são
preguiçosos e militam mais no Facebook do que na rua. Mas, a rua virou o
Facebook, paciência. As folhas das amendoeiras que caíram no chão esta semana
estão mais mobilizadas e unidas do que meus colegas na universidade em que
leciono.
Deste modo – crítico de fim de
churrasco – é fácil até perceber a tal da precipitação. Neste momento, momento
ontem, não mais o do aviso do déficit, mas das medidas para “corrigir” o rombo,
que as forças sindicais deveriam se reunir e decretar uma greve geral aos
moldes belos e históricos, sim, nos moldes daqueles que ajudaram a gestar o
Partido dos Trabalhadores, em que era possível testemunhar artistas fazendo
show como os do Primeiro de Maio para financiar o corte de salários, etc., etc.
Mas, se formos coerentes, não vejo uma real possibilidade. Ok, possibilidade
sempre há, mas, me refiro ao fundamental apoio da sociedade.
O problema é que esse
passado “glorioso” tornou-se mitológico e pela lógica de relações, basta um
primeiro corte de ponto dos servidores para que todos regressem ao trabalho.
Claro, isso não acontecerá. Assim espero. Mas, no fundo a realidade é o
horizonte que se desenha com a perda de apoio, cada vez maior, das camadas mais populares frente ao desgastado
movimento sindical, ou seja, o grosso da sociedade que se
verá, também, atingida pelos cortes, mas que não é tola e sabe que você
servidor público federal faz parte de uma parcela substancial que ganha mais do que a
maioria dos cidadãos comuns do nosso país. E o problema para nós é mais grave
ainda: o serviço público federal no Brasil nunca foi lá uma grande maravilha e
configura-se um sonho de comodidade, mais do que para uma minoria, de
possibilidade de melhoria da nossa nação!
Por outro lado, o governo age com
malícia, mesmo distante, esse passado das greves que gestaram o Partido dos
Trabalhadores ainda está no imaginário dos que hoje estão no poder e eles sabem
como os sindicatos agem. Até eu que tenho apenas 32 anos aprendi rapidamente
observando mais atentamente o discurso tão belo e profundo de alguns confrades.
Então entramos numa guerra midiática constante, de idas e
vindas. Por um lado, os dinossauros sindicais que não tiveram sua fatia no bolo
petista (no geral, é isso), de outro, alguns gatos pingados, jovens
acríticos, covardes, logo “críticos de fim de churrasco”, que se sentem
desconfortáveis em dizer: Olha, a coisa é mais complicada do que o que o seu
sindicado informa em sua página no Facebook. Estes tem medo do linchamento
público dos “proletários” professores que dirigem belos automóveis e passam
férias na Europa. E sejamos francos: esses indivíduos sabem de cor e salteado a
cartilha retórica de “como transformar uma opinião contrária à sua de ‘peleguismo’”.
Esses mesmos encostos sindicais
serão os mesmos que, em caso de um distante movimento mais significativo de impeachment irão às ruas defender esse
governo de mãos dadas com os mais jovens “colegas” de cafezinho nas sedes
sindicais, bom, curiosamente, assim espera o governo.
É claro que tal movimento de impeachment, conduzido
pelas elites, que, mais à frente acredito que conseguirei demonstrar que
abandonarão tal ideia, configura-se como claro golpe ao que chamamos de
democracia. Não tenho dúvidas. Mas, se não me falha a má memória, o mesmo
Partido dos Trabalhadores, em posição de oposição bombardeou o governo Tucano
do FHC com pedidos idênticos. Se não me falha a má memória, o atual
Vice-presidente da República, arquivou os processos quando estava à frente da
Câmara. O atual presidente desta mesma Câmara, apenas aguarda os movimentos. Os
dados estão lançados (e eles são viciados).
Dois pontos: O governo está
apostando e apostando muito no desconhecido e está levando fé demais que
professores universitários, servidores em geral, movimentos sociais e mesmo o
grosso da sociedade que ainda tinha numa vaga memória recente os avanços do
governo petista, se acomodarão assim, tão facilmente. Simples na complexidade:
Evidente, por um lado que há quase 90% de chance do movimento liderado pelas elites
abafarem o processo tacanho de pedido de impeachment (afinal, contra a
presidenta não há provas e, ao contrário, seu governo de fato tem sido aquele
que mais buscou a transparência no quesito de punição ao mal da corrupção), o
governo jogou as cartas na mesa e essas cartas são todas à direita, e esse é o
grave problema. Como rezaria o figurino apresentou: Suspensão de concursos,
aumento salarial dos servidores suspenso, PAC, Minha Casa e Minha Vida com
redução, retorno da CPMF, etc. A elite, não foi tachada. As grandes fortunas
continuam intactas. Os bancos privados continuarão a lucrar. O fantasma do impeachment
me parece adormecer um pouco. Apenas um pouco. O presidente da Câmara, se
mantém em silêncio. As elites, talvez, sorriam. Mas, se querem o poder (de
fato), não me surpreenderia que isso trouxesse mais força ao discurso esdrúxulo
de impeachment contra a presidenta da República. Porém, ninguém quer
parar de lucrar, talvez haja mais lucro, depois dessa jogada apresentada no
Pacote, manter a Dilma, sofrendo golpes cada vez maiores e aguardarem as
eleições futuras. Seria, talvez, a última pá de cal no Partido dos
Trabalhadores.
O problema, para o governo, é que
tais medidas atingem justamente suas bases mais populares de apoio e que,
sejamos francos, já estavam descontentes. O discurso: Era ruim com o PSDB,
melhor ruim com o PT, começa a perder fôlego. Talvez, sendo bem frio, desculpe,
sendo bem crítico de fim de churrasco, o fato de uma greve universitária já se
arrastando por quase três meses, greve do INSS e Técnicos Administrativos no
mesmo pé, se não mais, estarem ainda em curso, seja o trunfo do governo para
minar de vez nossas forças. Fato: Pais, alunos – desde que não vinculados e
manipulados aos sindicatos – já estão descontentes. Aliás, professores já não
estão satisfeitos, aliás, as Pós-Graduações funcionam, grosso modo, a todo
vapor. Em suma: a própria sociedade já se desgasta pelo desgaste que a imagem
dos servidores pintadas pelo próprio governo sofreu (ás em conduzir num passado
glorioso greves e mais greves). Por outro lado, as forças sindicais contra-atacarão,
as redes sociais são ótimos mecanismos para tal. Minha timeline está
equilibrada: por um lado, dois ou três são mais críticos com isso ou aquilo
outro. Mas, de fato, sendo sincero, sofremos todos da velha síndrome de crítico
de fim de churrasco!
Ao mesmo tempo, uma greve geral
seriam, nesse momento, a melhor ferramenta de condução política para as bases,
mas a precipitação passada nos deixa com a corda no pescoço. Esta frase é
típica do crítico de fim de churrasco. Afinal, como poderíamos prever? Correto,
não haveria possibilidade, contudo, maior calma na condução sindical, talvez, teria
possibilitado à história um aspecto de menos tragédia e farsa.
Tudo isso me coloca duas questões
fundamentais que preciso beber um pouco mais para compreender: Primeiro, é um
momento ímpar para uma verdadeira guinada social que, já não me iludo, não virá
do Partido dos Trabalhadores. A reforma política, tão sonhada, não acontecerá.
Segundo, o movimento sindical precisa ser revisto. As relações de força
inseridas dentro dos sindicatos, principalmente, universitários, precisam reler
Marx, abandonar o “aparato”, a utopia e pensar de maneira mais prática frente a
conjuntura contemporânea. As ideias marxistas são relativamente jovens se o
colocarmos diante de outras correntes de pensamento. O grande problema é o
canonicismo no qual se transformaram as reflexões advindas de seus escritos. O
problema não está na dialética do materialismo histórico de Marx, o problema
está no tiozão do churrasco e no jovem critico de fim de festa que, na última
década engordou bebendo cerveja e comendo picanha queimada. Se ele não se
levantar, o próximo churrasqueiro, filho do tiozão, manterá o mesmo modus
operandi que há um bom tempo, para trás e para frente, teremos que testemunhar.
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