63 anos. Aposentado aos 50. Bem disposto,
joga todo sábado o futebol master no campo do Boró, dois tempos de quinze. Bebe
sua cerveja em copo americano e em cadeira de ferro. Já deu uns tapas na
mulher. 25 anos casado com a Doralice, aliança 24K gravada no interior pelo
ourives: Fui o único. Certa vez,
arrancou-lhe dois dentes, pois ela reclamou do batom na camisa e do cheiro de colônia
feminina depois das suas andanças após o futebol.
Domingo, sentando no banco, rezou
pra São Jorge, o Guerreiro, que desse forças para continuar com a mesma mulher.
Ela à noite, no culto evangélico, ajoelhada orando para que Cristo Jesus acerte
os caminhos do marido. Divórcio é coisa moderna desses avançados. O que Deus
uniu o homem jamais pode separar. Nisso os dois são felizes. Apesar do próprio
padre reticente e do pastor revoltado com a situação. Mas a oferta e o dízimo
estão em dia. Dá-lhe oração e vigília. Queima-se vela e Ave Maria.
Jailson Salomão Costa Gouveia.
Irmão mais novo de seis. Cidadão de bem. Burocrata. Demorava uma hora no
cafezinho. Três para o almoço. Entrava nove e saía às dezesseis. Sonha com a
volta dos militares. Naquele tempo não
havia esse desbunde! Sempre achou grevista vagabundo. Porém, funcionário
público, colheu delas os seus benefícios. Dos de São Bernardo do Campo, sempre
teve pavor. Não gosta de nordestino, de preto, nem de candomblé. Mas todo dia 23
de abril não sabe se é cavalo ou se relembra que já foi coroinha.
Insulta Nicinho, o cabeleireiro, de
“viado” e “dá cu”, mas, entre cascudos e maços de cigarro sem filtro, pede pra
molecada comprar, junto ao jornal, fotonovela de travestis. Bandido bom, é bandido
morto. Mulher de minissaia está pedindo pra se estuprada e filha sua, se casar,
será de branco e cabaço. Seu Gouveia, cidadão de bem.
Machista. Sua mulher ainda coloca
sua comida. Não sabe fritar um ovo. Mas, nas festas da família, em meio à birita,
queima a carne do churrasco entre piadas sexistas. Lésbica é falta de piroca.
Gay foi falta de porrada. Seu Gouveia, cidadão de bem. Aborto é pra mulher da
vida. Apesar da rua inteira saber da Lindaura e da gravidez interrompida. O
silêncio feminino na mesa de jantar. Lavam-se as louças. Ouve-se um arroto. A
TV está ligada e um forte ronco na poltrona. Seu Gouveia, cidadão de bem,
encerra mais um domingo comum.
Um comentário:
Belo texto. Essa crônicas são muito boas como metonímias do Brasil que a gente conhece bem. Bom, eu conheço muitos "Seus Gouveias" por aí, mais até (muito mais) do que gostaria.
Abraço!
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