sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Pobre Maiakóvski (Brasil pós-2016)




Perdidos em disputas monótonas,
buscamos o sentido secreto,
quando um clamor sacode os objetos:
"Dai-nos novas formas!"
(Ordem N.º 2 ao Exército das Artes, Vládimir Maiakóvski, tradução de Haroldo de Campos. 
Em: Maiakóvski: Poemas. São Paulo: Perspectiva, 2006. p. 93)


Chega um momento na nossa existência que as coisas vão indo tão mal, coisas simples indo tão mal, que a gente acaba se vendo obrigado a usar aquela expressão que resume o "estar na merda", "as coisas estão muito ruins", "Não dá mais...", etc. A tal máxima é: "Brasil pós-2016".

(Nota aos estrangeiros: este termo possui um interessante histórico etimológico e é mais ou menos como a palavra "Saudade", não tem tradução para outros idiomas além do português brasileiro).

Um exemplo didático: você pede uma moela ensopada num boteco para papear um pouco com a patroa sobre a vida, a moela chega fria. Você não diz mais: "que merda"... Você expressa seu descontentamento com: "Brasil pós-2016!". Não satisfeito, pede uma porção de pão de alho. Chega uns nacos de pão com manteiga no forno e um potinho de maionese industrial com aroma artificial "alho". Você xinga? Chama o garçom prum papo? Não! Você diz: "Brasil pós-2016!".

Liga a TV, mais um pacote de cortes... Suspira fundo: "Brasil pós-2016".

Mais uma chacina: "Brasil pós-2016".

Caí no cheque especial de 350% de juros ao ano: "Brasil pós-2016".

Os índios não existem mais, foram abolidos pelo agronegócio: "Brasil pós-2016".

Fecharam uma universidade pública, duas, três: "Brasil pós-2016."

Servidores estaduais e municipais e federais caminhando para a miséria: "Brasil pós-2016"...

Evangélicos estão no poder, empresários são eleitos prefeitos: "Brasil pós-2016".

Mães matam filhos por serem homossexuais, pais chacinam a família por machismo: "Brasil pós-2016".

E assim a gente foi mudando nosso linguajar de pouco a pouco.

É uma coisa meio Etimologias, do Isidoro de Sevilha... 

Entendam cagalhões: Daqui uns séculos "escafandristas virão explorar sua casa", na verdade, seus status no Facebook, e verão que a expressão "Brasil pós-2016" surgiu logo após um surto epidêmico, não de Febre Amarela, de certo modo sim, mas uma febre de camisetas amarelas e de um pato amarelo gigante pelas ruas de São Paulo, gritos nas capitais estaduais, selfies com Policiais Militares. Os escafandristas investigadores descobrirão que a disseminação linguística se deu através do som do Plim Plim, via aparelhos de Televisão e grupos de tiozões no Whatsapp com camisetas com a foto de um homem que apoia Brilhante Ustra e ofendeu uma Presidenta da República que foi torturada durante a Ditadura Civil Militar no Brasil. Para ficar só nisso.


O DNA da máxima "Brasil pós-2016" estava, dirão os escafandristas arqueólogos das palavras, em um tal de "Fora Dilma e leve o PT junto". A mesma senhora que quando jovem teve ratazanas inseridas em sua vagina como método de tortura.



Curiosamente, assim como renascentistas, humanistas e iluministas falando da Idade Média no seu presente passado em tempos remotos, os contemporâneos do "Brasil pós-2016" não se lembrarão das pessoas tiradas da miséria durante os 13 anos petistas, esquecerão, como num surto, a expansão do ensino público, os avanços sociais de igualdade e justiça para os mais necessitados.

A classe média brasileira, aquela infectada pelo vírus da Febre Amarela Política, e mesmo os recém-chegados ao status graças aos tais avanços do passado presente, esses seres contra-História, silenciar-se-ão ignorando suas participações nas marchas pela família, ignorarão os ministros nomeados com ficha suja, emudecerão diante das delações com nomes do governo interino, e depois fixado através de negociatas de privatização e prevaricação, nomes explícitos em listas de propinas. Tudo graças ao mecanismo técnico-biológico do Plim Plim. 

Na explicação do dossiê, os escafandristas dirão: As células se ativavam às notas musicais estridentes e então as vozes bradavam: "Bandido bom, é bandido morto!", "Comunistinha de merda", "Esquerda caviar"... "A culpa não é minha, eu votei no Aécio!", "Vocês também votaram no Vice...", "Transformaram a bandeira do Brasil num símbolo comunista (mas era a bandeira do Japão)", etc. e tal.

Finalmente, esses escafandristas, ao tentarem, mais uma vez, alertar os contra-História, serão silenciados por algum pacote de cortes nas Ciências ou vão ser terminantemente afastados de seus cargos públicos-concursados através de um processo temeroso de redução salarial, lhes cortarão o oxigênio.

No geral, perceberemos que, primeiramente, a estratégia funcionará a partir da diminuição do acesso à internet fixando um limite de dados. Em seguida cortarão o acesso igualitário à universidade pública e gratuita, reduzindo o Ensino Superior ao monopólio de Empresas Educacionais privadas que lidam com a educação através do mesmo modelo de alimentação fast food. Depois, depois a gente não sabe, pois estamos no futuro do passado e fica difícil localizar a narrativa em algum tempo verbal. Não sei se estou aqui ou acolá. À propósito, a voz que você ouve nesse momento tem esse som por ser eu também um escafandrista.



Pobre Maiakóvski, não há nenhuma pessoa feliz no Brasil pós-2016.

2 comentários:

Andre de Lemos disse...

Saudades de você, nobre ventríloquo. Belo texto, imagens fortes e sinceras. Crônicas do nosso desamparo. Infelizmente, seu texto foi atualizado pela máxima que, eu mesmo uso diariamente: "Brasil de Bolsonaro". Só com a arte conseguiremos suportar essa avalanche, meu caro. Abs!

Andre de Lemos disse...

Máxima ou sentença (de morte)... sabe lá...