segunda-feira, 18 de outubro de 2021

A solidão ou o que é amizade?

Faz tempo ou mesmo eu não vejo o tempo passar. Você vê? Não sei. O gato dorme aos meus pés e saí antes para fazer a barba, me relaxa fazer a barba. É um bom barbeiro, de lâmina e toalha quente no meu rosto. Calmamente depois de amaciar minha pele, a mesma toalha, já mais fria, cobre meus olhos e sinto a lâmina passar pelo pescoço. Faz tempo.

Era para estar por aqui conversando com você sobre Capitães da Areia, que já li novamente faz tempo. É, faz tempo. Mas não tenho tido forças e nem sei direito o que me move. Se eu pudesse nem me mover me movia. Ia vendo a barba e os cabelos crescerem com o tempo passando e quem sabe a morte chegando tranquila como o gato aos meus pés. Porém, o tempo passa lento, o gato perturba tanto quanto os mosquitos que chegam sem convite quando cai a noite.

Já li uns três livros alguma coisa de quê depois do Capitães da Areia e depois desses três comecei o ABC de Castro Alves, que sucede Capitães da Areia, sabe? Pois é. Faz tempo. Nem sei. Não me lembro bem, mas sei que decidi ler um a um, cada livro – e alguns ainda não tenho – de Jorge Amado na ordem cronológica dos lançamentos originais. Um a um. Mas nem isso me move. Nem a bicicleta me move. Fiz a barba pois estavam me incomodando os pelos do bigode entrando pela boca e, falo a verdade, me relaxa deitar na cadeira do barbeiro nessa cidade pequena que é grande que me faz lembrar da cidade onde eu nasci e ao mesmo tempo esquecer a cidade onde eu nasci... deitar na cadeira do barbeiro me relaxa, pois sentir a toalha quente sobre meu rosto, depois meus olhos vendados e a lâmina percorrendo meu pescoço, nem sei, mas me relaxa.

Não sei bem o que é amizade, acho que nunca soube. Sei que há por aí, espalhadas pelo mundo, tão perto, outros tão longe, umas amizades de contar no dedo. Mesmo assim não sei bem. Pois todo mundo tem problemas. Problemas com família, com dinheiro, consigo mesmo ou até comigo. Acho que às vezes sou um tipo de problema até mesmo para a minha mãe e o meu pai – que o que não vejo os guarde com saúde, pois nem sei, faz tempo e o tempo vai passando. Às vezes bate essa ideia torta que me balança: sou um problema para a minha mãe e para o meu pai. E pensando essa ideia, construindo, me bate forte uma ideia deles lá longe e eu aqui longe também e o tempo passando para todo mundo, já que o tempo passa mesmo. Mas é mais fácil lidar com o tempo passando, a saudade aumentando e a ideia torta crescendo feito barriga gestante, feito barba e cabelos ou crianças mal-educadas por parentes violentos e que se tornam crianças violentas. Ou um amor violento que considera fraqueza qualquer tipo de tristeza diante de qualquer tipo de tristeza, do que lidar com minha cara no espelho.

Faz tempo. Já nem sei. Não há grama mais verde no vizinho, não há nem grama. E não sei direito o que é amizade e por isso fico em silêncio com os pés quentes graças ao gato. Os pés quentes me dão a sensação de vivo, pois morto ou pessoa sem sorte tem pé frio. Não é? Nem sei.

Não pedalo mais. Não acho graça em sair. E se saio é coisa rápida ou mesmo forçado. Mas não pedalo e isso me dói. Dói tanto quanto ouvir de um amor violento que é frescura demais ficar triste pela tristeza. É a síndrome vazia na crença de que se você lida bem com os seus problemas todo mundo tem que lidar. Por isso mesmo me relaxa fazer a barba, a toalha quente sobre meu rosto como que me entorpecendo e de repente meus olhos vendados e a lâmina passando pelo meu pescoço aparando os fios meio brancos, meio ruivos para ficarem brancos da barba que cresce, pois os cabelos já estão grandes.

E todo mundo tem problema, eu sei. Até me satisfaz – não vou mentir – saber que tem gente por aí que lida bem com seus problemas. Mas me bate uma angústia danada e forte de saber que tem gente que só porque lida bem com seus problemas, se motivam num deus, numa santa, numa coisa que não sei o quê, na esperança de viver novamente com quem já se foi ou de ouvir quem já se foi... essa gente que se fia nisso, me angustia quando me falam é frescura, você é fraco. E me vem uma ideia torta – faz tempo, nem sei – de que sou mesmo fraco e, pior, sou um problema para a minha mãe e pai e para as amizades que – olhe lá – conto nos dedos. Eu que nem sei o que é direito amizade, acho que nunca soube e, talvez, nem essas amizades saibam o que é amizade: todo mundo tem problemas e por isso não dá tempo de pensar direito nisso, isso nem é problema, por que basta você ir sumindo e você percebe que ninguém vê ou na verdade você vai sumindo e estão esperando que você pergunte por que elas sumiram e todo mundo no fundo some porque todo mundo está esperando um telefonema, uma mensagem, uma carta de olá, como vai?, mas você, digo, eu, vou sumindo, pois veio essa ideia do amor violento: eu sou mesmo um estorvo, um problema e arranjo problema. E acho mesmo que o problema sou eu e se sou eu, não faz muita diferença ficar incomodando perguntando: olá, como vai?

Faz tempo. Nem sei. É aquela coisa meio chinfrim, você sabe? E vem quem é prolixo, vem quem é alto astral, vem que é do berço da sinceridade e quem quer te mudar o pensamento com frases de efeito: isso é frescura, ficar triste pela tristeza. Aí eu vou ficando em silêncio, vou ficando mudo e acho que mudo a gente vai diminuindo e sumindo. Mas é difícil ficar mudo, é um processo de treinamento e é doloroso.

Acho bonita aquela canção do Paulinho da Viola, Sinal Fechado, acho a letra bonita e é bonito como ele encaixa cada acorde naquela melodia angustiada. E vai sumindo.

Esses malditos mosquitos. Esses malditos remédios. Mas deve ser mais difícil para quem se mete a escrever poesia. Pois quem escreve poesia fica no dilema: dou para o mundo ler ou guardo para mim?

Eu, particularmente, não vejo sentido em poesia que não se dá ao mundo para leitura. Pois poesia quer palco tanto quanto quem pensa em dar cabo um dia dá cabo. Mas aí é ideia minha, ninguém precisa concordar, tanto quanto ninguém precisa chancelar poema como bonito ou feio. Poema é poema. E eu nem entendo direito de poesia, sei que há amores violentos como versos que se encaixam, como há também amizades que se perdem por a gente nem saber o que se tem.

Mas uma coisa é certa, todo mundo tem problema e o meu problema convém mais aos outros do que seus próprios problemas. Todo mundo tem uma solução para o meu problema, às vezes com uma carga tão violenta de certeza que chego a me envergonhar de ousar a falar do que eu julgo serem meus problemas – tem gente com problema pior que o teu! Fraqueza, frescura! – e por isso para quê ficar me expondo? Faz tempo e o vento vai mudando e o que é mesmo amizade? Talvez nem o gato esquentando os meus pés saiba dizer, se ele falasse.

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