Mesquita, 24 de setembro de 2021, ouço
pássaros, alguns sons vindos de alguma serralheria na cidade lá embaixo. No
geral, você pode acreditar no que digo: o leve frio do início da primavera é
agradável, o céu tem seu azul e o sol brilha manso agasalhando como pode quem
na noite anterior dormiu ao relento debaixo de marquises, em bancos de praças
públicas. A vida é o que há de ser, mesmo não devendo ser assim.
Publicado por Jorge Amado no ano de 1936
Mar morto deveria mesmo ter sido finalizada a leitura por mim, em seu
conteúdo lírico, mesmo que trágico, em Salvador da Bahia, no aeroporto, lugar onde
é normal lágrimas caírem dos olhos e serem naturalmente ignoradas como quem
passou frio debaixo de marquises no frio carioca. No aeroporto de Salvador li o
último capítulo. A potência narrativa da história narrada pelo eterno menino
grapiúna sobre a saga de amor e perda entre Guma e Lívia, o cotidiano dos
mestres de Saveiros, canoeiros... me balançou. Tremi. Temi.
Ouço o som do trem cortando Mesquita e
seguindo rumo ao centro da cidade do Rio de Janeiro. Vidas e sagas de amor, fé,
perdas e ganhos estão dentro daqueles vagões. Você pode não ouvir. Já passou.
Volta o som da serralheria.
Temi talvez por motivos que nem eu
saiba. Talvez pelo Mar morto de Jorge Amado, sua história ali narrada
ser a história de muitos de nós: de amor e também de perda. Terminei de ler em
Salvador, dia 22 de setembro de 2021. Chorei e solucei. Ninguém me viu ou
ouviu. É natural.
O posfácio escrito por Ana Maria Machado
li já em Mesquita, terra em que nasci. No mesmo dia de minha chegada que logo
se converterá em partida. Posfácio curto, mas tão belo que me fez compreender
que é o que há de ser. Ela me fez ver para além da tragédia. Que se pese ainda
um pequeno adendo de Zélia Gattai Amado, na edição que repousará com as outras
quando eu regressar à terra que não é minha. Edição cuja capa vermelha é
ilustrada com fotografia de Marcel Gautherot, intitulada Festa de Iemanjá,
Salvador, c. 1941. Zélia, parceira de aventura de Jorge Amado, companheira,
namorada, musa, força motriz nos diz, logo após a página final do romance (272):
“Mar morto foi o primeiro livro de Jorge
Amado que li. Li e adorei a história de amor passada no mar da Bahia, um
romance de fazer sonhar, cheio de poesia. Eu estava longe de imaginar que um
dia conheceria o autor, que por ele me apaixonaria, que seria por ele amada e
que, juntos, viveríamos 56 anos de puro e verdadeiro amor. Eu, Lívia, nos
braços de meu Guma, Jorge, com direito a brisa do mar e moqueca de siri-mole.
Mar morto foi o abre-alas, assim que
terminei de ler fui em busca dos outros. A leitura de cada novo livro me
emocionava, mas este, o primeiro, nunca perdeu o seu lugar de preferido.
Zélia Gattai Amado” (p.
273).
Cigarras cantam forte no quintal dos
meus pais. Um dia, mesmo não sendo alguém do mar, voltarei para repousar
eternamente nesse porto.
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