segunda-feira, 20 de setembro de 2021

A angústia, o 7 de Setembro e Jubiabá

 



Se a tragédia se anuncia, eu realmente não sei. Mas crer é uma força que faço diariamente. Há tempos essa conversa vai guardada dentro de mim, embrulhada, pronta. Solto por aí tardiamente – antes tarde do que nunca – mesmo que muita coisa deva ir com cada um de nós para o fundo do mar, às profundezas da terra, para o esquecimento eterno.

Não preciso recordar. São vivas essas palavras, vivas tanto quanto me mantenho de pé e seguindo.

A manhã pairava calma, mas desde muito cedo eu me angustiava. Um aperto no peito, sabe Deus o que era e o que é. Suava em ar frio e temia que naquela terça-feira, 7 de Setembro de 2021, de fato um golpe de mais retrocesso fosse dado. Via gente sumindo como eu li nos livros e expliquei nas escolas. E a manhã pairava calma, mas eu angustiado.

O velho me sorriu, um dia há de me ralhar para me acertar um caminho torto aqui ou acolá, mas me sorriu, ofereceu água, café, me perguntou como eu andava e olhou nos meus olhos sôfregos ao perguntar. Não menti, não sou pessoa de mentir o que não posso. Fiquei em silêncio e dei um riso tão sofrido quanto meus dois olhos que não sei bem a cor.

Ouvia meu nome completo sendo repetido, o chocalhar dos búzios, meu nome completo sendo repetido, as palavras em um idioma que não conheço sendo recitadas. Como sempre eu buscava alguma coisa que não eram respostas, talvez perguntas que também nunca faço, nem peço por mim. Mas contava a contas, as moedas e as pedras sobre o pano no qual já se passaram muitos jogos e muitos destinos.

Tudo que ali foi dito, ali ficou mas vem comigo. E é só o que interessa até aqui. Naquela mesma manhã serena terminei Jubiabá, quarto livro de Jorge Amado.

Lançado originalmente em 1935, a edição, que desde o dia sete de setembro de 2021 adormece na minha biblioteca em casa, tem uma bela capa com uma fotografia de Marcel Gautherot: Barqueiro do Rio São Francisco, BA, c. 1945. Foto de uma década após Jubiabá ter vindo ao mundo. O posfácio é de Antonio Dimas, docente titular de Literatura Brasileira na USP, escrito em setembro de 2008 e dedicado à Myriam Fraga.

Jubiabá não fala sobre Jubiabá – pai de santo do Morro do Capa-Negro – o romance de Jorge Amado é sobre Antônio Balduíno de sua infância até seu abc vendido no Mercado. Sua força, andanças, amores...

Jubiabá esse livro que tem nomes, Candomblé, macumbas zunindo por todos os lados. Esse livro que tem palavras que a gente não entende por que não nos ensinaram, porque a gente estuda inglês na escola quando criança, e quando estuda, e quando é criança. Esse livro que fala sobre amizades, mortes e eternidade num abc.

Ainda caminho angustiado, ansioso. Só eu sei. Para alguns a vida é se tornar um abc, para outros, melhor o esquecimento. Mas: “Para que dormir nesta noite tão bonita?” (p. 302).

Lá se vão vários dias e eu não sei bem o que dizer. Tento fortemente o silêncio, me tento fortemente pelo silêncio. Há uma sensação em mim de que o falar, o meu falar só destrói. Tento fortemente o silêncio, pois não quero a eternidade de um abc como tanto sonhou Antônio Balduíno.


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