quarta-feira, 30 de julho de 2008

Como andam os ventrículos do Ventríloquo?

"O Menino e a Pipa" - Foto de Luciano Guimarães (http://lucianoguima.blogspot.com/)

Continuando a árdua tarefa de escrever sem mover os lábios e sem dar ouvidos a audiência – se é que ela existe! – fico pensando quão agradável é uma infância saudável.
Creio que tive uma infância saudável. Corri, joguei bola, rodei pião, brinquei de pique-pega, bandeirinha, etc. Não soltei pipa. A temporada de pipa era minha temporada de tristeza – todos os meus amigos deixavam as outras atividades para olhar pr’o céu, com ou sem sol. Corriam, brigavam, pulavam muro por aquele pedaço de papel com três varetas de bambu entrelaçadas. Bom para eles. Foram felizes. Alguns, ainda hoje, mesmo adultos como eu, cultivam o hábito, agora meio ridículo quando pulam muros ou disputam com os mais tenros os mesmos gravetos de bambu e papel, de se aventurarem pelos ares azuis.
Nunca soltei pipa, talvez, tenha tentado uma vez. Sim, me recordo que tentei uma temporada de pipa. Pedi dinheiro ao meu pai, comprei um “deizinho” (carretel com 50 metros de linha – o “deizão” tem 100 metros, acho não tenho certeza, nem para um nem para outro). Comprei uma “orelhinha” e uma pipa “de banda”, as achava bonitas, não sei se os nomes ainda hoje são os mesmos. Não tive prazer, meus olhos doíam de tanto olhar para o céu azul. Não posso dizer que não tive por um instante a adrenalina correndo em meu corpo quando, mesmo que no “embolo”, “cruzei” com uma outra pipa e consegui “cortá-la”. “Aparar” a pipa são outros quinhentos, mas consegui ter a rival da guerra aérea colorida para mim, já que meu quintal sempre foi o maior da rua e ela acabou caindo numa árvore lá de casa mesmo!
Acho que o que me afastou dos combates aéreos foi justamente a ausência de competitividade como pipeiro. Na verdade, eu achava mais bonito o balé de cada uma delas no céu do que o ataque rápido com o cerol. Sempre tive medo de cerol. Ainda hoje passo longe quando vejo uma criança empinando uma pipa.
Mas das corridas da infância me lembro bem dos meus ventrículos funcionarem bem melhor que agora. Não que eles eram audazes e fortes na época, injetando todo aquele sangue ora na artéria pulmonar, ora na artéria aorta. Mas eram mais fortes, sei que eram mais fortes.
Dia desses dei de ser menino novamente e disputei uma partida de futebol com meus alunos do 9º Ano (antiga 8ª série). Fui bem. Nos primeiros 10 ou 15 minutos eu fui muito bem por sinal. Era minha despedida da escola. Mais uma vez uma despedida de um certo tipo de infância – ali não darei mais aulas. Porém, só isso e nada mais. Afinal os ventrículos não funcionam como antigamente.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Um poema é um papel em branco

Até onde é você e até onde é a poesia? Pergunta que me faço agora, nesse instante.
Já fui questionado várias e várias vezes sobre meus sentimentos no papel preenchido com letras, frases, parágrafos, etc. E hoje respondo que é o papel em branco. Um poema é um papel em branco. Pelo menos os meus. E é ele quem define até onde vou eu e até onde pode ir meu leitor.
Alguns poemas saíram de mim como um estrondo de alegria. Um marasmo de tristeza. Uma onda de reflexão. Outros foram apenas aglutinados de símbolos fonéticos, acredite: apenas emaranhados de fios de vogais e consoantes. Mas sei que esses fios podem possuir sentido, desde que quem os leia pense que, para mim, que para meu olhar, aquele emaranhando será sempre uma folha em branco, até os que saíram de mim como um estrondo de alegria. Um marasmo de tristeza. Uma onda de reflexão. Outros foram aglutinados de símbolos fonéticos... É isso: SÍMBOLOS fonéticos! Uma folha em branco!
O dia em que eu realmente enxergar um poema meu pararei de me sentir poesia. Pararei de me expressar com poesia. Viva a folha em branco!
Me respondo isso agora motivado pela dificuldade de muitos ao ler um poema bonito, feio, concreto, tijolo... Me respondo isso agora, por me lembrar de um poema meu publicado em uma antologia. Meu único poema publicado.
Presenteei minha orientadora de mestrado com três antologias com textos meus impressos. Por e-mail ela contou ter gostado muito do conto “O livro enfim publicado”, segundo sua definição: “aquele em que você está triste”. Disse ter gostado também da que chamo de “crônica-prosa-poética-reflexiva”: “Livros”, a qual dedico ao meu primo-irmão Gustavo Alvaro. Antes de encerrar o e-mail, ela ressalta, “não opino sobre o poema, não entendo muito bem poesia, não tenho o hábito de ler...”. Curioso.
Não julgo sua capacidade de não entender muito bem poesia, mas sua observação sobre o conto em que eu “estava triste”, imagino que ela, por me conhecer, tenha percebido que aquele eu lírico ia bem mais longe que a história narrada no conto. E isso já não é entender poesia?!?!
Claro!
O que garante, o que dá prova que no conto o eu lírico sou eu? Que o sentimento do eu lírico é meu? O fato da caneta vermelha (me lembro bem de como e onde escrevi tal conto) ter corrido sem muita firmeza no balanço do trem rumo a Central do Brasil? Ou o estilo em primeira pessoa? Não! Nada disso. A simples visão da folha em branco. Da interpretação da folha em branco. A teoria da folha em branco. Até onde é você e até onde é a poesia? não é uma pergunta que caiba apenas aos poetas. Ela cabe aos poeleitos.
Os poeleitos são privilegiados por terem uma folha em branco já preenchida. Meu drama, talvez, desde menino sozinho, foi, não sei ao certo, o de nunca ter conseguido ser um bom poeleito, ou seja, nunca ter conseguido ter olhos para ver as folhas em branco preenchidas. Para mim, sempre restava um pequeno espaço incompleto, até para o eternos clássicos. Viva a folha em branco! E por não ter a capacidade intelectual e profunda de corrigir o adicionar ao incorrigível e inadicionável. Passei a preencher meu próprios espaços e hoje me respondo à fatídica pergunta inicial me convencendo que realmente um poema é um papel em branco e eu não vou tão além de onde o poeleito pode ir... Além do mais, eu nunca conhecerei meu eu lírico!

sexta-feira, 18 de julho de 2008

O senhor tempo resseca a pele, acalma a alma

O dia acorda calmo. Os carros andam. As pessoas andam. O céu brilha o azul. O sol reflete fria a luz amarelada da cútis do universo.
Hoje nasci. São vinte e cinco anos. São 6:20 da manhã. Metade de meio século. Sou metade. Sei que ela me ligará dizendo que me ama. Sei que meus pais me abraçarão. Sei que o dia será como todos os outros lá fora no mundo.
Ligo o computador. “Sabe lá o que é isso?”[1] é o disco que escolho para embalar o meu dia. “Forró novo” é a canção predileta. Não temo o tempo. Ele resseca a pele, porém acalma a alma. E hoje, depois de muito tempo, minha alma acordou calma.
Não tenho reflexões para hoje. Nada, além do tempo. Olhei algumas fotos antigas. Umas amareladas como a luz fria do sol de hoje. Enquanto olhava o movimento da rua: Ana ligou, ela me ama. Dois amigos me ligaram: Vinicius e Kimon. Um amigo me enviou um e-mail: Marcelo. Propus um Maracanã com Thiago: Talvez eu vá com seu irmão. Tudo corre como eu queria.
O tempo vem e a gente aprende a deixá-lo ir tranqüilamente. Hoje cantei, enfim, a música de Belchior. Realmente tenho sonhos e planos. Tenho agora vinte e cinco anos de América do Sul. O Fluminense vai mal.
A beleza é não estar triste. Nem saudoso. Nem nostálgico. Nem feliz também. Apenas calmo. Com a certeza de que o tempo passa e de que tudo chega ao fim um dia.
Não há motivos demais hoje para mim. Apenas um leve sorriso e alguns abraços. Desejos vindos. Nada fantástico. Bom. Muito bom.
Folheio um Kundera. Folheio um Maiakovski. Olho meu Dom Casmurro... Definitivamente, a poesia – toda – é uma viagem ao desconhecido assim como a aurora de todo tempo perdido.
Quando criança esperava o ano 2000. Caminhava até a escola e fazia contas de qual idade eu teria se o mundo não acabasse conforme diziam. Chegamos até aqui e o que fizemos? O quintal mudou. Árvores morreram. Alguns pedaços meus com elas.
Afinal, “nada é assim, rapaz, pra sempre”, disse o velho Braz...[2]

[1] Primeiro disco do Cordão do Boitatá.
[2] Trecho de “Forró novo” de Kiko Horta e Edmundo Pereira.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Síndrome do herói solitário

Imagem retirada do link: http://charges.uol.com.br/bobagens_ver.php?bobagem_pk=1272


Lá vai o herói, solitário. Lá vai o herói solitário. Ele é igual a nós. Mas não sabe. Tem que se martirizar. Espera sua canonização. Talvez, o reconhecimento por sua simples bondade. Ele é tenro e saudável. Não faz mal nenhum àqueles que lhe fazem o mal. Lá vai o herói solitário.
O herói solitário pode ser conceitualizado como um ser simples, desprovido de maldade no coração, alguém que não se vinga, omite palavras que podem machucar qualquer alguém, não busca a verdade, não remói o passado. Enfim, esse é o herói solitário. Ele é a prova da “tese do herói solitário”.
A tese é bem simples. Não há complexidades na tentativa de entendê-la, nem mesmo em confirmá-la: lá vai ele, solitário.
Espera de todos, aceitação. Tem o mundo em suas mãos. Mas almeja, no fundo, a canonização. É uma coisa meio sonora. Meio “Cara estranho” (*)
Acha que deve passar pelos espinhos do mundo sem reclamar. Prefere os suplícios da vida. Prefere beber água do mar. Desenvolveu aos poucos o dom de medir as palavras. É sábio. Sabe o que diz. Segue, com o tempo nublado, feliz.
De sol em sol almeja nos sonhos alcançar seus objetivos. Uma topada em pedra: um palavrão contido.
É um poço de fé e humanidade. O herói solitário não é percebido pela cidade. Às vezes se auto ignora para fazer o “outro” feliz.
Triste tese. Triste herói. Não sabe que o no caminho da vida, no fundo, no fundo, estaremos sempre a sós.



(*) Música composta por Marcelo Camelo e presente no Cd Ventura do Los Hermanos.

Examinai as escrituras e virará escriturário

Assim como o tempo lhe julgam louco. Lhe taxam sem fé. Sua causa é perdida. Sua roupa ralé.

E perguntou ao menino:
- Examinou as Escrituras?
O infante então retrucou:
- Não. Por quê?
O ex-morador de rua exaltado gritou:
- Elas testificam de mim!


(*) Leia um livro ou então acesse para saber do que estou falando: http://noticias.uol.com.br/empregos/ultnot/2008/07/14/ult880u7024.jhtm

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quanta verdade pode um espírito suportar, quanta pode arriscar um espírito?

Não sei. Realmente não sei. Mas em Ecce Homo, um certo tipo de auto-biografia de Nietzsche, não desmerecendo a obra como um todo, nem os elogios e críticas diversas sobre ela, contém a frase que batiza este texto e que acabou me chamando muita atenção.
Falta, aproximadamente, uma semana para mais um aniversário desse que aqui vos fala sem mexer a boca. E num presente próximo, acabei de ler um belo ensaio num blog que visito com afinco um bom tempo, desde quando ainda era hospedado aqui no Blogger.com.
O texto de Diego Viana, que minha memória não me deixa resgatar a naufraga lembrança de como ou onde nem quando nos conhecemos, versa, com a inteligência e leveza filosófica recorrente do autor, sobre um tema que não me aflige, mas que realmente me interessa: O envelhecimento. Para ler o texto na íntegra clique: http://opensadorselvagem.org/blog/diegoviana/o-envelhecimento-em-seus-primordios/
Mas o que tem haver a frase de Nietzsche com meu inevitável duelo com o tempo? Tudo!
Tudo, pois sempre fui muito inquieto e ando meio estático. Estático dentro de mim. Não sei se por velhice ou por pessimismo, não da velhice, mas da vida.
Não estou para comemorações. Mas ficaria feliz que comemorassem por mim e sem mim. Nunca pensei que um escrito meu falasse tanto aos meus sentidos como o conto O livro enfim publicado (para adquirir a antologia onde ele se encontra clique em: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=2309663&sid=16525125310714969739267&k5=1362BED0&uid=) e olha que ele já foi escrito e publicado já faz tempo, mas só agora ecoa em meus ouvidos o sentido para o trecho: Quando me deitei pela última vez dois bares fecharam por consideração. Cinco se abriram. Boêmios recitaram minhas poesias com copos de uísque e caipirinha nas mãos e cigarros entre os dedos da outra – era tudo que eu queria, gente minha, era tudo o que eu queria!
Então me volto ao questionamento de Nietzsche e me respondo não sei! realmente não sei quanta verdade posso suportar, pois nem mesmo minha própria verdade tem me sustentado o espírito.
Ontem sonhei que minha mãe morria. Meu pai morria. Minha mulher morria. Meus futuros filhos morriam. Não sobravam na terra fios condutores sobre minha existência de minutos atrás. Enevoado então me senti e percebi que minha ausência de mim mesmo é só uma petrificada poesia incompleta:
...

Chuvas a fio. Vejo o mundo aos poucos desmoronando. Não tenho muito que escrever. Dois artigos. Um projeto. Algumas provas.
Os muros caem, a lama desce. Ao longe vejo a vida passar ouvindo coisas de amor. Um tiro no olho do pulmão do mundo. Entendeu?
Não são águas de março. As flores deveriam nascer. Não tenho muito que dizer, mas digo:
...

O envelhecimento precoce é pior que o cabelo ralo que antecede à calvície que não tenho. À falta de paciência com os hormônios adolescentes. À magistral contratura do músculo que bombeia meu coração bem mais rápido quando corro ou à falta de ar que me vem toda vez que me lanço às asas da juventude que ainda se reflete em mim.
Sendo assim, não suporto é esta verdade: a de estar envelhecendo precocemente. De não querer sair mais à noite. De nem ao menos no meu próprio alvorecer ter forças para levantar um copo e celebrar minha própria vida. Não suporto o risco de deixar meu espírito me mostrar que não suporta a verdade de que, no fundo, prefiro estar só. Como um poema cristalizado, incompleto pela falta de inspiração e zunidos.
Envelhecer para mim não é ou tem sido o problema, meu maior problema é não suportar minha própria verdade: estou envelhecendo precocemente e porque quero.
Minha ausência de mim mesmo é obra de minha própria eterna poesia incompleta. Do meu paranóico envelhecimento precoce. Envelhecimento de alma. De querer me “ermitar” em alguma caverna longínqua por dias, meses, anos. Por achar que não sou suportável até para quem muito me ama e se deita comigo.
Não sei, mas, quanta verdade pode um espírito suportar, quanta pode arriscar um espírito?

quarta-feira, 9 de julho de 2008

"Então o senhor não tem cidadania"

Copyright© 2008 Google
Hoje, na saída do trabalho, um aluno brincou comigo sobre um fato que ocorreu há algumas semanas com ele na escola. Conto antes seu ocorrido, para depois relatar a brincadeira.
Mês passado, às vésperas do Dia dos Namorados, brinquei com esse meu aluno de 2º ano do Ensino Médio, ele estava lendo uma revistinha da Turma da Mônica durante uma aula minha. Brinquei com ele afirmando que, graças a rapazes como ele, o índice de meninas solteiras no dia 12 de junho era exorbitante. Uma menina, que, imagino, andava meio na seca, retrucou se dirigindo a ele: “Se ele fosse diferente, não estaria sozinho...”. Rendeu assunto. Os dois acabaram começando a namorar. Impasse: Ela evangélica, na verdade, a família dela, dessas famílias bem arcaicas no quesito religião. Ele, zoador, típico rapazote afim de curtição. Impasse.
O ocorrido dele: O namorico andou ficando sério e uma professora andou tirando fotos dos dois e colocou no Orkut! Impasse. O pai da garota (um tipo de Moíses ou Nóe da vida) viu! Impasse. Quer comer o garoto vivo. Impasse. O garoto já pensava até em oficializar o relacionamento e ir pedir a menina em namoro sério. Impasse. Se aparecer por lá, provavelmente morrerá com um golpe de Bíblia na cabeça. Impasse.
Vamos à brincadeira que ele fez hoje comigo. Eu estava saindo da sala e ele estava de namorico com a menina. Bom. Normal. Fim de aula. Nada mais justo. Semana de provas – o pai dela não deve saber.
Ele então brincou comigo sobre o ocorrido: “Quer tirar uma foto professor? Para colocar no seu Orkut!”. Sorri. Não entendi. Quando não entendo sorrio. Respondi não ter Orkut, ele continuou: “Tirar uma foto professor...”. Entendi. Mas repeti com mais ênfase: “Relaxa, não tenho Orkut!”. Um outro aluno ouviu e ficou abismado: “Não tem Orkut, professor?!?!”. Respondi. Não.
“Então o senhor não tem cidadania!”.
Observação interessante a dele. Voltei para casa caminhando. Noite agradável para caminhar. Gosto de caminhar às vezes. Gosto de caminhar sozinho às vezes. E dei a observar as ruas que atravessavam meu caminho. Não há mais casais nos portões. Não há mais crianças brincando de brincadeiras típicas como queimado, bandeirinha, pique pega e esconde esconde. O mundo é virtual. Bom. Impasse.
Não renego a Internet. Quem sou eu para isso? Grandes coisas fez o Senhor Virtual por nós! Grandes coisas tem feito o Senhor Virtual por nós! Mas hoje observo que as relações são feitas assim: “Nos encontramos hoje no MSN!”, “Você está no Orkut dele?”...
Não há laços a quebrar. Se você não é mais amigo de alguém basta deletá-lo e adicionar outro. Impasse. Simples.
Tenho recebido inúmeros convites para um tal de Sonico, Rede de Amigos sei lá das quantas. Rejeito. Sem impasses. Tenho telefone. Acredito no amor. Sou pessimista. Mas acredito no amor. Ah, principalmente no carnal!
Lógico que há suas facilidades na rede. Blogger’s. Fotolog’s. Bom.
Mas não tenho Orkut. Já tive Orkut. Não tenho jeito para Orkut. Respiro as palavras. Palavras para mim têm cheiro. Se alguém me escreve eu te amo para mim é o mesmo gosto do falado. Se alguém me manda beijos. São beijos. Impasse. Não sirvo para lidar com isso. Quando alguém me manda um forte abraço pela Internet sinto o calor e a força dos braços em torno do meu tronco. Sinto as mãos envoltas do meu pescoço. Se é amigo, sinto a barba. Se é amiga sinto a maciez da pele. Se é minha mulher: sinto-me o homem mais amado do mundo: mesmo que ela esteja há quilômetros de distância. Pois sei que quando nos vermos seremos nós dois juntos. E foi assim o primeiro beijo. Sem impasses. Por isso, não sirvo para Orkut. Pois se leio esse tipo de coisa e não quero ler: merda na certa!
Agora, não queira me dizer que eles sabem o que é isso. Impasse. Eles não sabem. Pois tudo se encerra com um off line. Por isso mandam beijos. Por isso, não velam com acalanto os eu te amo soltos ao léu na Rede. Por isso não se prendem em ninguém. Impasse.
É. Prefiro continuar sendo um extraterrestre. Um não cidadão. Sem Impasses.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

(A audácia do pessimismo) A crença no amor

Não creio em muita coisa. Ultimamente, tenho acreditado no amor. Talvez seja a única coisa que realmente me faz acreditar em algo. Sou um pessimista por natureza, deve dar para ver na minha escrita, ou o que chamam de letra, ou nas minhas respostas para cumprimentos:
- E aí tudo bom?
- Tudo indo.
É como gosto. E gosto não se discute: de gustibus non est disputandum, já diziam os romanos. Mas entre gregos e troianos pode haver paz, assim como entre judeus e muçulmanos, “porém (ai porém!), há um caso diferente...” (sim isso é um samba conhecido do Paulinho da Viola).
E não era dia de carnaval... Mas o samba cabe. Pois samba sempre cabe em alguma coisa, pois é cavaco, pandeiro e tamborim. E eu aceito, aceito que sou pessimista. E aceito o teu argumento, afinal, em terra de cego quem tem um olho é rei (beati monoculi in regno caecorum, é isso?). Mas ser um pessimista não quer dizer não ser um romântico. Exacerbado romântico. Pois foram românticos os nossos antepassados e serão românticos nossos herdeiros. Herdeiros do fim do mundo. E “amores serão sempre amáveis. Futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber com o amor que eu um dia deixei para você” – pode assobiar, eu deixo.
Muita gente enxerga em Nietzsche apenas um cara louco e que escreveu inúmeros aforismos. Mas, valhei-me deus, fantástica a frase: “Há homens que já nascem póstumos.”.
Mas, enfim, sou um pessimista. Vivo num pessimismo enorme, enraizado numa simetria cabal. Caminho pelos cantos das calçadas procurando sombra em dia de sol quente. Busco acalentar sem meias palavras a alma que já está perdida (e essa frase só entra aqui pois achei ela bonita!). Por isso sou pessimista. Porque sei que não há tempo de velar o amor. Se consertar com o atraso dos pais e a incompreensão dos filhos. Sei que morreremos e “da morte, apenas nascemos, imensamente” como diria Vinicius de Morais.
Ainda assim creio no amor. Creio que caminhamos juntos e juntos viveremos – até morrermos. Acredito até que dissolúvel é a tristeza e por isso seguimos vivos. Pois a gota que cai continuamente pode um dia abrir, primeiramente, suave rio e mais continuamente, possibilitá-lo encontrar, um dia, o mar. E é de onde vem todas essas coisas: meu andar pelos cantos, minha cara angústiada, meu sorriso sem graça e meu cabelo enrolado. Para que, intensamente, eu viva um destino doce de te amar, assim, para sempre!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Nem sempre nas trevas há só escuridão

Para muitos Francisco José de Goya y Lucientes foi um dos maiores pintores que já existiu. Enfim, não sou crítico de arte. Já conhecia suas obras via Internet, mas me apaixonei quando vi uma exposição pessoalmente em Porto Alegre (de suas gravuras).

As pinturas (e gravuras) mais expressionistas são as que mais me chamam atenção. Pois é nessa sua fase que surge, na minha opinião (pobre opinião), suas melhores obras. E há todo um significado para isso.

Saturno devorando um de seus filhos - Francisco de Goya y Lucientes, 1820-1823
Museo del Prado, Madrid
Image from Museo del Prado
Copyright del Museo del Prado


“Em 1792, numa viagem a Andaluzia, contraiu uma doença séria e desconhecida, transmitida por seu amigo Sebastián Martínez, ficando temporariamente paralítico, parcialmente cego e totalmente surdo. Com a doença, perdeu sua vivacidade, seu dinamismo, sua autoconfiança. A alegria desapareceu lentamente de suas pinturas, as cores se tornaram mais escuras e seu modo de pintar ficou mais livre e expressivo. Parcialmente recuperado, retornou a Madrid no verão de 1793 e continuou a trabalhar como artista da Corte, porém buscou outras inspirações para expressar sua fantasia e invenção sem limite, o que as obras sob encomenda não lhe permitiam.
Devido à doença, Goya passou a não ter mais muito respeito pela aristocracia, expondo nas suas pinturas as verdadeiras identidades e as fraquezas dos modelos. Um exemplo é o retrato do rei Fernando VII de Espanha. Seus retratos deste período mostram, todavia, a sua fascinação pelas mulheres e pelas crianças, não igualada por nenhum outro artista, com a possível exceção de Renoir. Dois retratos de mulheres, executados nessa época, mostram claramente essa qualidade: "Doña Antonia Zarate", orgulhosa, ereta, coquete e algo triste; e a "Condesa de Chinchón", o mais terno de seus retratos de mulheres, no qual o rosto infantil e a postura frágil dos ombros contrastam com o traje elegantemente pintado. Estes retratos foram como um último adeus às alegrias da vida, porque pouco depois Goya se exilou em sua Quinta Del Sordo, em Madrid. As guerras napoleônicas vieram e se foram, e os horrores sofridos pelos espanhóis deixaram um Goya amargo, transformando a sua arte em um ataque contra a conduta insana dos seres humanos, passando a retratar a falta de sentido do sofrimento humano, tanto injusto como não merecido.
Entre os anos de 1810 e 1814, produziu sua famosa série de pinturas "Los Disastres de la Guerra" e suas duas obras primas "El Segundo de Mayo 1808" e "El Tercero de Mayo 1808". Estas pinturas demonstram um uso de cores extremamente poderoso e expressivo. Pela primeira vez, a guerra foi descrita como fútil e sem glória, e pela primeira vez não havia heróis, somente assassinos e mortos.
Em 1821, a Inquisição abriu um processo contra Goya por considerar obscenas as suas "Majas", mas o pintor conseguiu livrar-se, sendo-lhe restituída a função de "Primeiro Pintor da Câmara".
Durante a última parte de sua vida, Goya cobriu as paredes de sua Quinta del Sordo com as famosas "pinturas negras", as últimas e mais misteriosas de seu gênio atormentado. Uma delas, "Saturno Devorando a Uno de sus Hijos" (1821-1823) e que se encontra atualmente no Museu do Prado, é uma das pinturas mais horrendas jamais pintadas.
Em 1824, Goya se exilou na França, vindo a morrer quatro anos depois na cidade de Bordéus.”
(fonte: http://articles.gourt.com/pt/Francisco%20Goya)

Goya me faz refletir sobre o que podemos fazer de bom, produzir de bom com nossas angústias e desesperos. Não pinto. Mas escrevo.

Ainda inspirado por Goya, principalmente por sua famosa frase, título de uma gravura (ou pintura, não sei ou não lembro): "Murió la verdad". Há uma música de uma banda sem pretensões de ser boa ou séria (Camisa de Vênus), mas que traz em muitas de suas letras uma rebeldia e revolta que acho muito interessante. Como a verdade está morta (e nós também), adiciono abaixo uma das letras que mais me amarro (do Lp “Camisa de Vênus” que veio depois do clássico "Batalhões de Estranhos" do famoso single Eu não matei Joana d'Arc, todos os dois de 1983).

O engraçado que essa letra tem tudo haver com o que escrevi sobre a doença de Goya e seu pessimismo, sobre a vida ter despertado nele toda uma maravilhosa "fúria artística". Então termino minha participação de hoje (pessimista como tem sido nessas últimas semanas a minha vida à base de Libitrol) com a música "Metástase" (Marcelo Nova e Franz Hummel):


Marx sacou um dia que andava confuso
Mas havia milhares para ele fazer uso!
Livros vendidos o sistema comprou,
Você aprendeu e então dançou
Mais uma esquerda, outra direita
Mais um ideal e mais uma mutreta
Hitler sacou um dia,
que andava inseguro
Mas já era muito tarde para derrubar o muro
A atitude tinha de ser drástica,
Até morrer pela suástica
Mais um católico, mais um ateu,
Mais um crioulo, mais um judeu
Freud sacou um dia que ele podia pirar
Mas havia centenas para ele analisar
"O seu problema é esquizofrenia,
Agora pague e volte outro dia!"
Mais um que vem, mais um que sonha
Mais um orgulho, mais uma vergonha
O jogo acabou e você perdeu
Era pra subir e você desceu
Agora que já perdeu o trem
Não acredita em mais ninguém
Jesus sacou um dia que iria enlouquecer
Mas havia um rebanho para ele converter
O Pai havia aberto o portão do céu
A cruz estava lá, era seu troféu
Mais um que cai, mais um que gira,
Mais uma verdade, mais uma mentira



metástase
[Do gr. metástasis, ‘mudança de lugar’.]
Substantivo feminino.
1.E. Ling. V. articulação (5).
2.E. Ling. Figura pela qual o orador atribui a outrem a responsabilidade do que alega.
3.Med. Aparecimento de um foco secundário, a distância, no curso da evolução dum tumor maligno ou dum processo inflamatório.

terça-feira, 1 de julho de 2008

A Igreja do Avarento

Recentemente, tive alguns problemas com uma instituição de ensino ligada a um determinado segmento religioso, que prega o Nazareno como salvador. Até aí, nada absurdo, afinal, todos nós precisamos de um salvador. Mas o que mais tem me deixado azedo é a forma como o dinheiro daqueles que acreditam tem sido usado e "desviado"(?) para pagar dívidas da instituição de ensino. Salário de professores (inclusive o meu) atrasados, contas e mais contas. Dizem as boas línguas, ou melhor, os passarinhos, que segundo o Nazareno mesmo falou: "não guardam comida para amanhã, mas o nosso Pai celestial lhes dá." Que quando nossos salários são pagos, quando são, o dinheiro vem de oferta dos membros da Igreja, ofertas comumente conhecidas como "dízimo". E, acredito eu, que na Bíblia haja algo escrito sobre como o dízimo deve ser utilizado. Não sou missionário! Sou professor de História (e agnóstico). Sendo assim, defendo eu, que mesmo gostando muito de ter dindim no bolso, esse dinheiro deveria ser empregado em coisas da "ordem".
Mas minha revolta vai além.
Tive alguns problemas recentes comigo mesmo. Sofro de uma bipolaridade esquisita e luto para acreditar que sou feliz. Na verdade, sou um claro depressivo. E muita coisa aconteceu essas últimas semanas e me esqueci de muita coisa que eu deveria ter feito. Como, por exemplo, enviar meus modelos de prova para serem impressos. Nada demais. Eu mesmo, como o dinheiro que me resta imprimi 18 provas simples e aplicarei quando for necessário: amanhã! Esse "amanhã" fiquei sabendo hoje. E ainda ouvi: "é que você faltou na quarta passada... e os alunos estão esperando a revisão". Primeiro: Ninguém me ligou para saber os motivos da minha falta, posso ter tentado o suícido, por exemplo. Segundo: Professor não é obrigado a passar revisão nenhuma. É obrigado, sim, a estar com a matéria em dia. E, à despeito da falta, a minha assim está.
Engraçado. Eles ligam para cobrar suas obrigações, mas se esquecem que viver com dois salários atrasados vai muito mais além do que fé. Mas tudo bem, "olhai no campo os lírios, não fazem roupas para vestir. Mas o nosso Pai celestial lhes dá."
Recado dado: demissão pedida!
Texto escrito ao som do belíssimo disco "Viajar" do grupo Vencedores Por Cristo gravado naquele tempo onde fé e modismo não eram tão unidos como hoje!