quarta-feira, 30 de julho de 2008

Como andam os ventrículos do Ventríloquo?

"O Menino e a Pipa" - Foto de Luciano Guimarães (http://lucianoguima.blogspot.com/)

Continuando a árdua tarefa de escrever sem mover os lábios e sem dar ouvidos a audiência – se é que ela existe! – fico pensando quão agradável é uma infância saudável.
Creio que tive uma infância saudável. Corri, joguei bola, rodei pião, brinquei de pique-pega, bandeirinha, etc. Não soltei pipa. A temporada de pipa era minha temporada de tristeza – todos os meus amigos deixavam as outras atividades para olhar pr’o céu, com ou sem sol. Corriam, brigavam, pulavam muro por aquele pedaço de papel com três varetas de bambu entrelaçadas. Bom para eles. Foram felizes. Alguns, ainda hoje, mesmo adultos como eu, cultivam o hábito, agora meio ridículo quando pulam muros ou disputam com os mais tenros os mesmos gravetos de bambu e papel, de se aventurarem pelos ares azuis.
Nunca soltei pipa, talvez, tenha tentado uma vez. Sim, me recordo que tentei uma temporada de pipa. Pedi dinheiro ao meu pai, comprei um “deizinho” (carretel com 50 metros de linha – o “deizão” tem 100 metros, acho não tenho certeza, nem para um nem para outro). Comprei uma “orelhinha” e uma pipa “de banda”, as achava bonitas, não sei se os nomes ainda hoje são os mesmos. Não tive prazer, meus olhos doíam de tanto olhar para o céu azul. Não posso dizer que não tive por um instante a adrenalina correndo em meu corpo quando, mesmo que no “embolo”, “cruzei” com uma outra pipa e consegui “cortá-la”. “Aparar” a pipa são outros quinhentos, mas consegui ter a rival da guerra aérea colorida para mim, já que meu quintal sempre foi o maior da rua e ela acabou caindo numa árvore lá de casa mesmo!
Acho que o que me afastou dos combates aéreos foi justamente a ausência de competitividade como pipeiro. Na verdade, eu achava mais bonito o balé de cada uma delas no céu do que o ataque rápido com o cerol. Sempre tive medo de cerol. Ainda hoje passo longe quando vejo uma criança empinando uma pipa.
Mas das corridas da infância me lembro bem dos meus ventrículos funcionarem bem melhor que agora. Não que eles eram audazes e fortes na época, injetando todo aquele sangue ora na artéria pulmonar, ora na artéria aorta. Mas eram mais fortes, sei que eram mais fortes.
Dia desses dei de ser menino novamente e disputei uma partida de futebol com meus alunos do 9º Ano (antiga 8ª série). Fui bem. Nos primeiros 10 ou 15 minutos eu fui muito bem por sinal. Era minha despedida da escola. Mais uma vez uma despedida de um certo tipo de infância – ali não darei mais aulas. Porém, só isso e nada mais. Afinal os ventrículos não funcionam como antigamente.

2 comentários:

Luciano disse...

Bruno,
Seu Ventriloquo ja esta devidamente buquimarcado - passarei por aqui com frequencia para deitar os olhos sobre seus textos deliciosos. Agradeco por dar nova vida a minha foto e por associa-la a um contexto (com texto) tao bonito.
Abraco,
*

Anônimo disse...

Bruno, parabéns pelo lindo texto!
Vou adicionar aos meus favoritos.

A foto caiu bem como uma luva!

Vá fundo quanto a tocar violão. Eu tenho um prazo para aprender a tocar piano até os 80 anos...até lá estarei sim tocando..será minha companhia.

Um abraço.