quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O meu Deus não ouve não? (Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria)

"Noturdiurno" - Fotos e montagem de Bruno Alvaro


Um dos artistas que mais marcaram minha formação, como pessoa que tenta de alguma maneira se expressar artisticamente, foi Edu Lobo. Sobre ele eu teria muito que dizer. Mas não digo. Não é esse o intuito do texto e, mais uma vez, como em muitas vezes aqui, direciono minha fala, pois eis que falo, sozinho ou com quem quer que seja e queira me ouvir, para um outro tema completamente diferente. Edu Lobo só surge aqui, pois é dele a música Borandá, escrita em 1963 e gravada com a participação do magnífico Tamba Trio.
É dessa canção que retiro o verso que forma minha pergunta inicial: O meu Deus não ouve não? E nela ouvimos a voz do retirante que afirma que já fez mais de mil promessas, rezou tanta oração, mas: Deve ser que eu rezo baixo/ Pois meu Deus não ouve não...
Confesso que, assim como o retirante da canção do violonista, muitas vezes Quanto mais eu vou pra longe/ Mais eu penso sem parar/ Que é melhor partir lembrando/ Que ver tudo piorar. Porém, há diversas forças que nos sustentam nesse caminhar infinito da vida, vida, pois, que é finita e que nos conduz nesse mesmo caminhar por auroras e outroras que não conseguimos explicar. São forças como o amor, a esperança, a fé...
Ontem, nessa mesma hora, um desespero estranho me bateu entre cansaço e pesadelos e, pelo visto, rezei alto, pois senti o divino me atender de alguma forma. A calma foi me abraçando, o sono chegando e respostas certeiras para aquela angústia foram chegando bem aos poucos.
Entre um trago e outro de um cigarro imaginário que é o suspiro desesperado da madrugada chegando, da madrugada se indo, do dia surgindo e os afazeres da vida nos anunciando que mais uma jornada deve ser cumprida (e vencida), fui realmente acreditando que consegui rezar alto.
Confesso que há muito minha relação com o Deus cristão morto na cruz é um tipo de contrato social estabelecido por normas de condutas ainda aprendidas na infância suave que só era atribulada em momentos desses mesmos tipos de angústias e tristezas. Tempos outros aqueles, já que o mundo ainda era um grande mar e esse mesmo mundo bem mais fácil de se abraçar.
Mas entre uma lembrança de férias em retiros aqui e uma poesia sacra acolá, vem essa necessidade esporádica de, sempre na tristeza e na angústia, me refugiar no silêncio da catedral que são meus pensamentos. É como a letra de Chegança, também de 1963 e escrita a quatro mãos com Oduvaldo Viana Filho: Ah, se viver fosse chegar!/ Ah, se viver fosse chegar!/ Chegar sem parar/ Parar pra casar/ Casar e os filhos espalhar/ Pôr um mundo num tal de rodar...
E são esses meus pensamentos madrugueiros, matutinos, corriqueiros... Vendo o sol indo, vendo o sol vindo. É um eterno retorno, uma eterna angústia. Agora mais forte com o tempo. Mais ácida para o estômago. Pois nesse tempo, os ouvidos ouvem mais. Senhor, ah, eu sei!
Pois, definitivamente, Se é fraca a oração/ Mil vezes cantarei/ Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria/ Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria!


(*) Músicas que valem o tempo do ouvir assim como ouvi:
Borandá (Edu Lobo)
Chegança (Edu Lobo e Oduvaldo Viana Filho)
Reza (Edu Lobo e Ruy Guerra)

(**) Todas essas músicas estão presentes no primeiro disco de Edu Lobo A música de Edu Lobo por Edu Lobo (com a participação do Tamba Trio: Luis Eça no piano; Bebeto Castilho na flauta transversa e contra-baixo e Rubens Ohana na bateria). Gravadora Elenco – 1965.

2 comentários:

Unknown disse...

Navegamos sempre adiante, mesmo quando parece que a embarcação tá atolada numa praia qualquer. Mas a despeito do mar (ou da areia) sob o barco, o que sentimos é consequencia do vento que nos permitimos levar...
Bons ventos te levem rapaz, ventos impetuosos que nos trazem conforto e alegria

filosofo de boteco disse...

A realidade é que o tempo passa diante dos olhos e do barco atolado. O tempo é inclemente como o sol a pino que seca as almas no curtume.
Abraços.