Aquela tarde estava fria e pedia uma saudável reclusão em casa, no sofá, com algo quente para beber. Porém, eu necessitava urgentemente comprar algumas picuinhas técnicas para fechar a redação da minha dissertação. Refiro-me à tinta da impressora que, como de praxe, acabou quando não deveria acabar.
Querendo evitar transtornos e demora em achar vaga para estacionar o carro, decidi ir à Nova Iguaçu de ônibus. Aqui cabe uma explicação rápida para não ter comprado o cartucho em Mesquita, cidade onde moro: Eu queria adquirir, também, um porquinho de barro, moda no Brasil e que tem feito sumir as moedas das caixas registradoras.
Quando cheguei ao calçadão, parece que trouxe comigo a chuvinha fina que já branqueava os morros mesquitenses. Nada que me afligisse, afinal, não estava de guarda-chuva, mas usava uma bela boina quadriculada que Gustavo me deu – ou trocou por uma falsificação de chapéu panamá que comprei na Lapa um dia.
Acontece que nem todos têm uma boina quadriculada e a dança das “sombrinhas” me jogou da calçada para as apertadas ruas, disputando espaço entre carros e camelôs. Comecei a me arrepender de ter saído de casa.
Como de costume, visitei as Lojas Americanas para ver os lançamentos musicais e os DVD’s em promoção. E lá estava numa baia de livros, um tanto esquecido, só e empoeirado: “Gonzaguinha e Gonzagão: Uma História Brasileira”.
Apesar de ser um grande fã do filho e conhecer o que todos da minha idade conhecem do pai, não sabia que uma biografia sobre eles, juntos, havia sido escrita. Curiosidade. Bom preço. Acabei comprando.
Triturei as 381 páginas bem escritas pela jornalista Regina Echeverria em, exatamente, três dias! Nada demais, você me diria e eu concordaria. Acontece que nesse meio tempo, li, claro, outras muitas coisas obrigatórias.
Esse livro, na verdade, tornou-se um vicio nesses dias. Se minha cabeça doesse na tentativa de fechar um parágrafo da dissertação, lá ia eu folhear a dupla biografia que, no fundo, tornou-se uma só pelas mãos hábeis da escritora.
Sobre Gonzaguinha eu já sabia muito, de ouvir falar, de ouvir cantar, de navegar o ótimo site sobre sua vida e carreira, ou então por conversas com meu grande amigo Celso Vicente Jr. que me fez ouvir esse cantor e compositor com um olhar mais atento.
Gonzagão é folclórico. Faz parte não só da cultura nordestina – belíssima, por sinal – como, também da cultura brasileira. Dele eu conhecia e conheço clássicos juninos e julinos da época de menino, quando dançava quadrilha na rua e na escola. Sobre sua vida, pouco eu realmente conhecia.
A questão é: o livro de Regina ao mesmo tempo em que é doce, é também um soco no estômago. O bom soco no estômago. Pois, ao contrário de muitas biografias que costumamos ler, a autora não constrói/ reconstrói os personagens para sacramentarem-se definitivamente como ídolos. Não há tipos ideais.
A pesquisa de Regina Echeverria para o livro é digna de nota, sem contar que ela teve uma sorte tremenda de Gonzaguinha ter deixado muita coisa registrada em fitas e, claro, sua bela família ter guardado e cedido tudo para a elaboração dessa pérola.
Gonzaguinha, talvez, mais que Gonzagão, está no livro cru, como sempre foi. E muitos anos antes de surgirem Los Hermanos e afins, com uma consciência enorme de naturalidade ou “anti-marketing”.
Regina não fabricou ídolos, não tratou o leitor como uma caixa vazia esperando por informações bonitinhas sobre a vida do pai e do filho, ao contrário, seu enredo traça, realmente, uma “história brasileira” de conquistas e afrontas, mágoas, alegrias, ou seja, vida.
Duas vidas que poderiam se confundir com as nossas. Com as dos muitos retirantes que vêm do Nordeste para o Rio de Janeiro e fazem sucesso ou pelo menos vivem melhor que na terra natal. Como a história de muitos jovens nascidos e criados nos morros desse mesmo Rio de Janeiro e que acabam depois de muito custo conseguindo, de alguma foram, brilhar.
O livro é uma viagem pela história da música brasileira, uma viagem pelos anos de chumbo da Ditadura. Um retrato interessante da sociedade ou sociedades desde os anos 30 até os anos 90.
As divergências entre pai e filho. A dúvida. Os desafetos. O sofrimento. O reencontro. Uma biografia que mais parece um roteiro de filme. De um bom filme.
Enquanto esperava na longa fila do caixa das Lojas Americanas, pensava eu ao olhar a contra capa do livro: “Estou fazendo besteira em comprar isso. Vou acabar não lendo por falta de tempo ou pior, lendo e não gostando. Onde já se viu uma biografia de dois biografados?”
Eu estava enganado. As histórias não se confundem. Acho que nem se complementam. Mas há um elo tão bem feito pela autora – e pela vida –, que vai e volta nas duas histórias, que em vários capítulos, confesso ter chorado.
A morte encontrou pai e filho. Talvez, o segundo tenha a encontrado cedo demais, tendo muito ainda a fazer. E isso, durante muito tempo, o tempo que conheço e que me lembro de aprender a apreciar as canções de Gonzaguinha, me deixava triste. Contudo, depois que li o último parágrafo do capítulo 22, me dei conta de que tinha que ser assim e lembrei, de ainda bem garoto, em 1991, ouvir minha mãe dizer da sala vendo telejornal: “Ih, Gonzaguinha morreu...”.
E, agora, é apenas mais um grande artista esquecido, que vez ou outra toca nas rádios. Luiz Gonzaga, o pai, creio, eu, ainda anima as poucas festas juninas que ainda acontecem pelo Brasil. Agora, a poesia rasgada e crítica das canções de seu filho. Essas, só quem gosta muito de música e tem um bom faro de arqueólogo de baias para encontrar seus discos, porcamente, relançados em Cd. E isso é o que “eu apenas queria que você soubesse...”
Querendo evitar transtornos e demora em achar vaga para estacionar o carro, decidi ir à Nova Iguaçu de ônibus. Aqui cabe uma explicação rápida para não ter comprado o cartucho em Mesquita, cidade onde moro: Eu queria adquirir, também, um porquinho de barro, moda no Brasil e que tem feito sumir as moedas das caixas registradoras.
Quando cheguei ao calçadão, parece que trouxe comigo a chuvinha fina que já branqueava os morros mesquitenses. Nada que me afligisse, afinal, não estava de guarda-chuva, mas usava uma bela boina quadriculada que Gustavo me deu – ou trocou por uma falsificação de chapéu panamá que comprei na Lapa um dia.
Acontece que nem todos têm uma boina quadriculada e a dança das “sombrinhas” me jogou da calçada para as apertadas ruas, disputando espaço entre carros e camelôs. Comecei a me arrepender de ter saído de casa.
Como de costume, visitei as Lojas Americanas para ver os lançamentos musicais e os DVD’s em promoção. E lá estava numa baia de livros, um tanto esquecido, só e empoeirado: “Gonzaguinha e Gonzagão: Uma História Brasileira”.
Apesar de ser um grande fã do filho e conhecer o que todos da minha idade conhecem do pai, não sabia que uma biografia sobre eles, juntos, havia sido escrita. Curiosidade. Bom preço. Acabei comprando.
Triturei as 381 páginas bem escritas pela jornalista Regina Echeverria em, exatamente, três dias! Nada demais, você me diria e eu concordaria. Acontece que nesse meio tempo, li, claro, outras muitas coisas obrigatórias.
Esse livro, na verdade, tornou-se um vicio nesses dias. Se minha cabeça doesse na tentativa de fechar um parágrafo da dissertação, lá ia eu folhear a dupla biografia que, no fundo, tornou-se uma só pelas mãos hábeis da escritora.
Sobre Gonzaguinha eu já sabia muito, de ouvir falar, de ouvir cantar, de navegar o ótimo site sobre sua vida e carreira, ou então por conversas com meu grande amigo Celso Vicente Jr. que me fez ouvir esse cantor e compositor com um olhar mais atento.
Gonzagão é folclórico. Faz parte não só da cultura nordestina – belíssima, por sinal – como, também da cultura brasileira. Dele eu conhecia e conheço clássicos juninos e julinos da época de menino, quando dançava quadrilha na rua e na escola. Sobre sua vida, pouco eu realmente conhecia.
A questão é: o livro de Regina ao mesmo tempo em que é doce, é também um soco no estômago. O bom soco no estômago. Pois, ao contrário de muitas biografias que costumamos ler, a autora não constrói/ reconstrói os personagens para sacramentarem-se definitivamente como ídolos. Não há tipos ideais.
A pesquisa de Regina Echeverria para o livro é digna de nota, sem contar que ela teve uma sorte tremenda de Gonzaguinha ter deixado muita coisa registrada em fitas e, claro, sua bela família ter guardado e cedido tudo para a elaboração dessa pérola.
Gonzaguinha, talvez, mais que Gonzagão, está no livro cru, como sempre foi. E muitos anos antes de surgirem Los Hermanos e afins, com uma consciência enorme de naturalidade ou “anti-marketing”.
Regina não fabricou ídolos, não tratou o leitor como uma caixa vazia esperando por informações bonitinhas sobre a vida do pai e do filho, ao contrário, seu enredo traça, realmente, uma “história brasileira” de conquistas e afrontas, mágoas, alegrias, ou seja, vida.
Duas vidas que poderiam se confundir com as nossas. Com as dos muitos retirantes que vêm do Nordeste para o Rio de Janeiro e fazem sucesso ou pelo menos vivem melhor que na terra natal. Como a história de muitos jovens nascidos e criados nos morros desse mesmo Rio de Janeiro e que acabam depois de muito custo conseguindo, de alguma foram, brilhar.
O livro é uma viagem pela história da música brasileira, uma viagem pelos anos de chumbo da Ditadura. Um retrato interessante da sociedade ou sociedades desde os anos 30 até os anos 90.
As divergências entre pai e filho. A dúvida. Os desafetos. O sofrimento. O reencontro. Uma biografia que mais parece um roteiro de filme. De um bom filme.
Enquanto esperava na longa fila do caixa das Lojas Americanas, pensava eu ao olhar a contra capa do livro: “Estou fazendo besteira em comprar isso. Vou acabar não lendo por falta de tempo ou pior, lendo e não gostando. Onde já se viu uma biografia de dois biografados?”
Eu estava enganado. As histórias não se confundem. Acho que nem se complementam. Mas há um elo tão bem feito pela autora – e pela vida –, que vai e volta nas duas histórias, que em vários capítulos, confesso ter chorado.
A morte encontrou pai e filho. Talvez, o segundo tenha a encontrado cedo demais, tendo muito ainda a fazer. E isso, durante muito tempo, o tempo que conheço e que me lembro de aprender a apreciar as canções de Gonzaguinha, me deixava triste. Contudo, depois que li o último parágrafo do capítulo 22, me dei conta de que tinha que ser assim e lembrei, de ainda bem garoto, em 1991, ouvir minha mãe dizer da sala vendo telejornal: “Ih, Gonzaguinha morreu...”.
E, agora, é apenas mais um grande artista esquecido, que vez ou outra toca nas rádios. Luiz Gonzaga, o pai, creio, eu, ainda anima as poucas festas juninas que ainda acontecem pelo Brasil. Agora, a poesia rasgada e crítica das canções de seu filho. Essas, só quem gosta muito de música e tem um bom faro de arqueólogo de baias para encontrar seus discos, porcamente, relançados em Cd. E isso é o que “eu apenas queria que você soubesse...”
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