domingo, 5 de outubro de 2008

Afinal o que é saudade?

Há tempos venho tentando escrever um texto digno sobre minha relação com barbeiros e cabeleireiros.
Cheguei escrever um texto maçante, longo e minucioso, no qual eu descrevia velhas lembranças sobre meu incômodo em cortar os cabelos.
Pois bem, será que é chegada a hora de, enfim, refletir sobre esse meu tormento que pode ser de muitos?
Não! Realmente, não!
O corte de cabelo só entrou na voz de hoje pois, pelo segundo mês consecutivo, cortei meus cachos num salão quase em frente ao barzinho onde compro os melhores bolinhos de aipim com carne moída do mundo – melhor até que os do Rio Scenarium!
Esta introdução se justifica, pois o cirurgião capilar que, com esmero, tem deixado minha cabeça menor, demora, entre lavagem dos cabelos, corte, espanada com talco e espelho – que parece nos fazer responder automaticamente: Tá bom... –, exatamente, 60 minutos para completar sua arte. Ou seja, fico uma hora em sua cadeira.
Meus caros, é tempo suficiente para pensar na vida, relembrar causos, sentir saudades... e tudo em silêncio, pois não sou de conversar com pessoas com instrumentos pontiagudos muito próximos às minhas orelhas – fico com um certo receio de que a pessoa pode ser distrair e nessa distração...
Pois é, é a saudade que dá o tom da voz de hoje. Complexa e doce saudade! E não o corte de cabelo. Vamos à prosa...
Há alguns meses, meu sogro comprou uma dessas casas de veraneio pré-fabricada num fim de mundo chamado Unamar e para lá se foi com minha sogra. Enfim, não cabem aqui explicações sobre suas vidas, minha opinião sobre o ocorrido, apenas a figuração do fato. Em finais de setembro, minha Ana entrou de férias, o que por sua sorte coincidiram com as férias de uma de suas irmãs que reside no sertão da Bahia trabalhando para Infraero. Blá, blá, blá, coisas de família, papai, mamãe, titia... Essas coisas bacanas da vida, sabe? Reencontro choroso no aeroporto, sobrinho novinho já na fase maravilhosa das gracinhas, aprendendo a correr e falar: uma felicidade só para todos! Que bom!
Mas onde eu entro nessa história toda?
Lógico que todos foram para Unamar. É uma lógica sem nenhuma complexidade, eu também o faria, se não fosse, simplesmente, namorado. Aqui valem explicações, também lógicas.
Gosto dos meus sogros, são pessoas gentis, bacanas, carinhosas e, também, aparentam gostar de mim e, tenho certeza, que me receberiam com uma alegria só. Mas, acontece que desde meu primeiro namoro, namoro de freqüentar casa, família, tomar café, almoçar, viajar juntos, etc, que aprendi a manter uma distância saudável das pessoas que, mesmo que um dia façam parte, não são de minha família (no fundo nem com todos meus familiares tenho muito contato). Além do mais, ninguém é obrigado a aturar namorado de filha.
Nessa minha experiência passada, que, confesso, foi agradável, no período da adolescência, aprendi muito e, ainda, guardo um carinho enorme por aquele casal que me acolheu e hoje, com a distância do tempo e a maturidade adquirida com ele, percebo que namorei aquela menina que me tratava tão mal por tanto tempo por adorar seus pais e sua irmã caçula (que hoje já é uma moçona!) e nem tanto por aquele relacionamento medonho.
Ou seja, esse texto é fruto da seguinte conclusão: não viajei com minha namorada para Unamar (mas que porra de nome é esse?) e fiquei aqui em Mesquita vendo o tempo passar lentamente e relembrar decorrências da vida. Aproveitei para colocar o capítulo final da dissertação nos trilhos, papear com meu primo, trabalhar uma canção em parceria, ver vídeos com ele, etc. No mais, é um momento família deles, as três filhas, o neto, o genro, enfim, como eu disse, namorado é penetra nesses momentos, creio que namorado não tem nem que sair em foto de aniversário de família. Na verdade, eu teria incontáveis desculpas para não ter ido com Ana para a “terra perdida”, mas no fundo, no fundo, foi por conta do que expliquei, por conta dos princípios que formei acerca de relacionamentos namorados versus sogros. Porém, assim que tudo se ajeitar por aqui, pego um ônibus com Ana e ponho a perna no mundo e vou para lá visitá-los, devo isso e quero isso.
Por isso, meu sábado foi esquisito e comecei a perceber que seria, nos longos minutos que passei no cabeleireiro e esse texto foi tomando forma ainda lá.
Já havia sentido saudades de Ana antes, mas parece que quanto mais o tempo vai passando, mais perceptível fica a sensação de que devemos ficar sempre juntos. Uma coisa de para sempre, entende? Sendo assim, começo a pensar em tomar uma atitude para poder aparecer nas fotos de família e não me preocupar com meus princípios teóricos sobre relacionamentos.

Enquanto o céu escurecia e eu me preparava para ir pr’o Flamengo declamar poesia, fiquei pensando nela, no que ela estava fazendo, no vento batendo em seus cabelos, no seu cheiro, no seu sorriso. O céu desabou. Acabei não saindo – seria minha distração do sábado. Fui tocar violão e duas músicas não saiam da minha cabeça: “Diga lá, coração” e “Espere por mim, morena”. E fiquei cantando como passarinho na gaiola, as pontas dos dedos doloridas por conta de tanto tempo sem manejar o instrumento... mas, dor maior era a do coração.
O toró caindo, raios belíssimos no céu e sentei-me na varanda para prosear com meu pai. Conversamos sobre a possibilidade d’eu me mudar e ter que alugar um apartamento por conta de uma proposta de emprego (que estou torcendo que dê certo), sobre a vida, sobre casamento, sobre o futuro. Depois de uns trinta minutos – uma coisa de verão fora de época, em plena primavera? – a chuva parou e o céu limpou.
Peguei o carro e resolvi dar uma volta, deveria entregar uns dvd’s na locadora, eu tinha que ver o mundo. Ver o sábado. Liguei para um amigo próximo. Ele estava com dor de cabeça. Desisti de incomodá-lo com minha saudade de rapaz apaixonado. Sábado chato. Não há bar para mim. Não há chope gelado. Não há aperitivos. Isso tudo a saudade levou. Isso tudo só tem graça com Ana.
E na volta para casa, peguei o celular e consegui falar enfim com ele, já que na “terra perdida” conseguir um sinal é fazer chover no sertão, e enquanto ouvia sua voz doce dizendo que me ama, me perguntei por dentro: Afinal o que é saudade?

*Espere por mim, morena (Gonzaga Jr.) no disco Começaria tudo outra vez... (P1976)

**Diga lá, coração (Gonzaga Jr.) no disco Gonzaguinha da vida (P1979)

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