segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Voltando a tocar violão

Minha última incursão pelas muitas vozes da vida, foi questionar-se sobre o que é a saudade. Hoje percebi perfeitamente que saudade é uma intima vontade pela presença de alguém ou de uma coisa, mas, para haver saudade, saudade da boa, creio eu, que se faz necessária uma via dupla, uma dualidade entre o ser ausente – que te faz falta – ou a coisa que não se tem mais, e, claro, você.
Penso eu, que saudade por saudade é bom. Ou seja, no caso de seres, você sentir que a ausência da pessoa ou animal é retribuída da mesma forma, talvez, expressa de maneiras diferentes, mas na mesma via dupla a que me referi. É claro que você não abanará a bunda para o seu cachorro!
Mas a saudade, ao mesmo tempo que é um sentimento intimo, é multifacetário. Pode e deve estar inserido em possibilidades infinitas, como uma tentativa louca de encontrar o fim do fio de um novelo. Como disse, hoje percebi isso e meu texto anterior que, talvez, para muitos, possa ter tido um tom esquisito, amargo – o que, na verdade não foi – soa agora com um significado impecável.
No fim das contas, minha tese sobre “relacionamento família e um reles namorado” é o que é: uma lógica tão evidente que até o mais primitivo animal, o mais ciumento ordinário compreenderia. Por este motivo, falarei sobre outras coisas na voz de hoje e simplificarei o sentido da saudade em um objeto e não num ser.
No ano de 1998, mais especificamente, no dia 9 de setembro, troquei dois cd’s do extinto grupo Legião Urbana por um do cantor e violonista Toquinho. Um ótimo cd, fruto de sua participação num projeto de shows intitulado “A Luz do Solo”.
Afirmo que um trabalho impecável de arte, voz e violão em sintonia como se fossem um só corpo. Talvez, os amantes das letras de Renato Russo não entenderam muito bem minha atitude e ainda o prejuízo na troca que fiz num sebo que existe até hoje em Nova Iguaçu, próximo ao supermercado Sendas. Um sebo modesto, que, imagino eu, ainda sobrevive graças às vendas de revistas pornográficas antigas, aliás, em ótimo estado e em numeroso estoque. Eu mesmo, comprei várias ali, por um ótimo preço, fotos clássicas de atrizes que hoje se encontram no limbo televisivo. Sem contar as preciosas entrevistas, preciosas mesmo, como a de um Fidel Castro, na edição (com a Maria Zilda na capa - 1985) comemorativa de 10 anos da primeira Playboy publicada no Brasil.
Fiz tal troca (dois cd's por um), por alguns anos antes ter iniciado meus estudos nesse instrumento que reencontro depois de quase um ano de afastamento: o violão. E todo e qualquer trabalho de Toquinho deve ser ouvido por quem gosta desse instrumento.
Não tenho nenhuma foto boa da época em que, de calças de moletom, cabelo grande e encaracolado, seguia eu pela ruazinha atrás do Tênis Club de Mesquita, beirando o rio e ouvindo os sons da quase falida fábrica de sombrinhas Pumar, até a Primeira Igreja Batista em Mesquita, para ter as primeiras lições, estudar os primeiros acordes, papear agradavelmente com meu primeiro professor e, na adolescência, papear abertamente com um adulto era coisa rara, principalmente com alguém cuja alma era de artista.
Realmente, as fotos que tenho são péssimas e vergonhosas. Porém, tenho lembranças ótimas desse período.
Nesse disco do Toquinho há uma música que expressa muito bem e de forma mágica esse momento tão bom e doloroso para todo estudante iniciante nesse instrumento.
A música é pouco conhecida e foi feita por ele em parceria com Vinícius de Morais e o grande violonista Paulinho Nogueira, na verdade, a letra é do poeta Vinícius que, segundo o próprio Toquinho, conseguiu transmitir muito bem as impressões da época em que ele, ainda jovem, tinha lições de violão na “casinha da praça” que pertencia ao seu professor Paulinho Nogueira. O curioso é que músico relata que Nogueira mostrou, certa vez para ele, um choro que só tinha a primeira parte.
Anos se passaram e Toquinho, já célebre cantor e exímio violonista, terminou o choro e, como eu disse anteriormente, deu para o poetinha pôr letra (que pode ser lida ao final desse texto).
Ouvindo agora, nesse instante, essa música, lembro de muita coisa. Lembro das aulas, das dores nas pontas dos dedos naquela época, e que, recentemente, depois de um final de semana inteiro praticando voltaram e já se foram. Contudo, confesso, que em tempos passados, foram meses até se formarem os calos protetores contra o arranhar dos dedos nas cordas de aço do violão chueba que eu usava.
O curioso é que nunca tive um violão. Nunca tive um violão meu. Comprado ou recebido de presente (meu pai chegou a me dar uma guitarra de aniversário e um contrabaixo, mas nunca me deu um violão!). Mesmo sendo canhoto e invertendo as cordas para tocar como um destro tocaria, sempre tive a sorte de ter pessoas próximas que possuíam o instrumento por modismo ou outros motivos desconhecidos agora por mim. Até mesmo esse violão que me chegou às mãos recentemente, é um instrumento que estava sobrando entre os muitos que meu primo Gustavo possui. Engraçado como é a vida. Foi o próprio que, não se por que cargas d’água, pediu um violão para o pai quando ainda era moleque, violão esse, que acabou me jogando no mundo da música. Pois o instrumento ficou jogado em seu quarto, ele não estudava (acabou iniciando-se na música através do piano) e eu acabei pegando “emprestado” e nunca mais devolvi. O chuebinha se desfez com o tempo. Depois, muitos outros instrumentos de outras pessoas passaram na pelas minhas mãos, uns devolvi, o último que tive, fez parte dos despojos de um fim de noivado desfeito. Assim como aquele relacionamento, ele foi se desfazendo com o tempo, até se esfarelar nas bocas dos cupins.
E aqui estou eu, refletindo sobre saudade. Ao som de um dos poucos discos que permaneceram. De uma época em que ainda trocávamos cd’s com os colegas ou com lojinhas de usados. E aqui estou eu, sentindo um cheiro de incenso de bálsamo, no mesmo quarto onde passava tardes decorando revistinhas de cifras...
E aqui estou eu no mesmo lugar, no mesmo lugar que percebi que, por si só, ainda me basto. Sendo assim, não há motivos para saudades de ninguém. Nem do tempo. Nem de mim. Afinal, a saudade é uma mão dupla e minhas teses, no final das contas, sempre se confirmam. E assim como andar de bicicleta: nunca se esquece o acorde de sol maior!

*A Luz do Solo – Toquinho (Lp. Philips – 1985/ Cd. Polygram – 1997).
*Paulinho Nogueira, nasceu em 8 de outubro de 1929 e morreu em 2 agosto de 2003, dentre os ótimos discos que gravou, cabe ressaltar seu último trabalho, o instrumental: Chico Buarque – Primeiras Composições (Cd. Trama – 2002).

Choro Chorado Pra Paulinho Nogueira
(Vinicius de Morais/ Toquinho/ Paulinho Nogueira)
Quanta saudade antiga
Quanta recordação
O toque paciente
De tua mão amiga
Me ensinando os caminhos
Corrigindo os defeitos
Dando todos os jeitos
Pras notas brotarem
Do meu violão

Ah! Como eu lembro ainda
Cheio de gratidão
A hora entardecente
A nostalgia infinda
No modesto ambiente
Da casinha da praça
E eu em estado de graça
De estar aprendendo
A tocar violão

E hoje nós dois
Tempos depois
Damos com nova emoção
Um novo aperto de mão

Neste chorinho chorado juntos
E que tomara renasça em muitos
Pois a maior alegria
É chorar de parceria
Num chorinho que é só coração
E relembrar que o passado
Vive num choro chorado
Pelo teu e o meu violão.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nunca se deve deixar a música de lado... Ela alimenta a alma e descarrega o coração!
Deixe um pouco a melancolia de lado, seja feliz.

Bruno Alvaro disse...

Muito obrigado por ter passado por aqui e ouvido um pouco a voz de hoje!