quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um Quixote em Aracaju: impressões estrangeiras de um novo sergipano

Cidade maravilhosa
És minha
O poente na espinha
Das tuas montanhas
Quase arromba a retina
De quem vê

Trecho de Carioca (Chico Buarque As Cidades – 1998)


Pensando bem, pensando fundo, ainda não esbocei minhas impressões sobre minha nova terra: Sergipe. Claro que minha voz não terá um alcance tamanho, a ponto de esboçar quais seriam realmente os mistérios sergipanos. Melhor, na verdade, encurtar a canção e narrar com os olhos da voz a cidade de Aracaju.
Pois aqui é assim, há um descompasso grande entre as regiões do estado, isso eu observo pela fala dos meus alunos que, aliás, têm se tornado impressionantemente agradáveis comigo. Levando em consideração minha especialidade, meu foco de pesquisa, ser bem recebido aqui por quem mais me interessa – eles – foi algo muito especial. Então, de certa forma, a melodia de hoje, a voz de hoje, vai para eles: minha primeira turma na Universidade Federal de Sergipe.
Sei que ainda é cedo para marcar impressões definitivas e palpáveis sobre a turma em questão, mas, no mínimo, e se é esforço ou não, confesso que não parece nem um pouco, eles estão me aceitando muito bem.
Quando pisei aqui pela primeira vez, ainda para fazer o concurso de provas e títulos, juro que pensei: preciso morar aqui. A cidade tem um aspecto que me lembra muito a Região dos Lagos no Rio de Janeiro, Rio das Ostras, por exemplo. Claro, lembrando que mal ou bem, a cidade de Aracaju mantém uma regularidade de bares funcionando, meio, digamos, capengamente, para um carioca acostumado com a noite virando dia, enquanto que na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, a alta temporada se dá no verão e é o que possibilita os bares abertos.
O engraçado, e pelo que me disseram os doutos daqui, é a identidade sergipana, ou a falta dela, eles dizem e eu, até agora, acabo concordando, meio sem graça. A gente que vem de fora vê tanta coisa boa, mesmo sem ignorar as coisas ruins, e o pessoal daqui não percebe o quanto aqui é bom. Os próprios alunos, na grande maioria, e já conheço algumas exceções, não perceberam o passo tão grande dado de estarem numa instituição federal, ainda mais, por ser ela a única universidade pública do estado.
E o mar? Ah, o mar realmente não é lá Copacabana, mas é limpo, o que não é na maioria das praias do Rio de Janeiro, está certo que para chegar até ele, propriamente dito, a gente percorre uma enorme, enorme, enorme faixa de areia que incomoda até os sergipanos! Mas veja bem, as praias, mesmo em Atalaia, têm um ar virgem mesmo quando estão lotadas. É lindo de se ver o povo todo ouvindo seus axés, forrós e por aí vai. Não há barquinho, não há garota de Ipanema, meu camarada, é forró, trio pé de serra, ou então, muito, mas muito mesmo, forró elétrico – perdão pela conceitualização errada, sou um leigo.
Coisa ruim de Aracaju? Transporte público. Ônibus aqui é uma complicação só. Caindo aos pedaços, sucateados, lotados, demorados, sem horário certo, pior que Japeri X Central no Rio de Janeiro em horário de pico! Acredite, eu sei do que estou falando. E as filas? Que saudade das filas! O pessoal não faz fila não cumpadi! Dar lugar para mulher? Vagãozinho rosa, é coisa de metrô do Rio, aqui é papo de macheza! Se você, der uma de cavalheiro, permitindo alguma dama passar a sua frente, um bando de gente te deixa para trás (sim, até aprender já perdi muito ônibus por falta de espaço). No início era engraçado, agora faço parte daqueles que odeiam o Terminal DIA (Distrito Industrial de Aracaju).
Dirigir aqui é aventura. A maioria parece que comprou a carteira, mas, sem participar das aulas de direção. Pois carteira de motorista todo mundo compra, mas uns participam das aulas, pelo visto, a maioria aqui não. O engraçado é que até mesmo quem dirige aqui reconhece a barbeiragem. Camarada, Deus não dá asas a cobra, o trânsito é uma maravilha comparado a Rio e São Paulo e eles aqui reclamam. Mesmo assim, até isso é gostoso e divertido em Aracaju.
O povo daqui? É brasileiro e vai bem obrigado. É engraçado, é bonito, tem o charme deles, cor, sotaque... Gente feliz. De um pronto... gostoso de se ouvir, quase infantil até na voz dos mais velhos. Um ié? que só quem é daqui sabe dizer. De vez em quando um êta caralho...! sai dos mais revoltados e, claro, o filho do cabrunco, xingamento mais forte, ainda não ouvi contra mim, espero manter longe! Pelo menos até eles verem as notas!
Eles não brindam o copo gelado e suado de cerveja. Curioso isso, não há esse hábito. O copo se enche, cada um toma o seu e vamos que vamos com a vida e a prosa. Senti falta disso. Dia desses, reclamei com um aluno. Recitei o famoso ditado “um dia sem brindar, dez anos sem trepar”. Coisas de carioca. Coisas de carioca. Me lembro que na época de mestrado dava até briga se alguém bebesse antes de brindar no Araponga ou no Bar das Putas! Kimon então era um dos revoltados. Grande tijucano...
Me sinto um Quixote aqui, um tanto inocente à realidade desse povo que me recebeu tão bem. Que quero aprender sobre, ajudar e, principalmente, ser ajudado. No condomínio, para os porteiros e faxineiros, sou o “Carioca”, para os mais recatados “Seu Carioca”. Me perguntam sobre a PM do Rio, a violência, as praias, as mulheres, o samba, ah, o samba!
Tai o curioso da vida, Gustavo quando me telefona ou me escreve, sempre me trata por “Sergipe”, vai ver que é isso, meu primo irmão, para vocês aí no Rio de Janeiro serei de agora em diante o “Sergipe”, mas aqui, aqui meu camarada, eu sou o “Carioca” e que me perdoe você, bem mais carioca que vocês aí!
O Quixote continua guerreando contra os moinhos de vento e eu, eu só deixo o vento invadir meu apartamento, me deito em minha rede, tomo minha cerveja gelada, leio um bom livro, ouço o bom e velho Chico Buarque e me lembro, logo, logo estarei no Rio de Janeiro, mas meu lar, meu lugar, minha terra, agora, mais que nunca, é Sergipe... Aliás, “pense numa coisa boa” e você vai acabar parando aqui!

6 comentários:

Carla Reis disse...

Como já lhe disse uma vez, seja bem vindo a terrinha! Sergipe realmente é um lugar de encantos e verás muito mais quando tiver a oportunidade de ir ao interior do Estado. Nem ouvistes ainda o fio do canso! marca registrada de um itabaianense; ou ainda um cabrunco da peste, de Poço Verde, pois lá todos os palavrões tem que ser assim, como nome e sobrenome, ao contrário não tem graça!
O que realmente falta para alguns é o sentido de sergipanidade, adoro essa palavra soa tão bem! Eu, particularmente, adoro meu Sergipe e mais ainda meu sertão, apesar de não viver mais lá!
Muitos dão valor a terra dos papagaios e caju quando se vão!

Bruno Alvaro disse...

Acaba sendo o processo natural das coisas aqui, não é? O curioso, que no Rio de Janeiro, por exemplo, apesar da mídia nacional demonstrar o contrário para nós que estamos aqui, todo carioca é um ferrenho adorador da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro... é meio propaganda de Havaianas, nós podemos falar mal, mas não fale perto de nós! Hehehehe! Obrigado pelo comentário! Nem sabia que você andava "ouvindo" O Ventríloquo!

Aquino Neto disse...

assim cara, vou por partes...
sua recepção na universidade (tomo como exemplo a minha turma) é reflexo de algo que você chegou mostrando ser, sabe?!É tudo movido pela velha e boa reciprocidade.Aqui na UFS (falo da minha realidade), o relacionamento aluno<->professor se pauta ou na idolatria, ou na tirania.Parece ser algo surreal esse simples fato de eu como aluno estar aqui comentando em seu blog pessoal, ou estar contigo sentado numa mesa de barzinho, tomando uma cerveja e discutindo fatos do cotidiano...sei sim, que se deve existir o respeito mútuo, e saber que na sala de aula existe aquele com um nível diferenciado de conhecimento e responsável por repassá-lo, mas isso não o torna diferente de mim do lado de fora da universidade...pelo menos não deveria tornar.Só esse fato já o torna diferenciado da estética geral dos professores daqui, fato que o torna digno da boa recepção.
Já o fato da moradia em Aracaju, deixando bairrismos e orgulhos baratos de lado, coisa q eu repudio,nossa tranquilidade é realmente um fato!A maioria das pessoas daqui tem um senso de inferioridade (em relação aos sulistas)muito aguçado...Gosto da tranquilidade daqui, gosto de ter a praia perto de casa, gosto de saber q se estiver de saco cheio de onibus posso pegar uma bicicleta, ou sair andando e que vou chegar no local antes de morrer (de bala perdida ou de cansaço),gosto de voltar p casa andando tarde da noite e ter o risco de ser assaltando muito pequeno... mas também tem muitas coisas de outras cidades que me atraem muito.Quero viajar bastante, conhecer muita coisa, mas quero viver aqui mesmo.Mas não visto camisas, nem balanço bandeiras, nem peço que tenha orgulho...Existem várias Aracajus,como também existem vários Rios(saca?).Espero que mais do que local de trabalho, você possa ter Aracaju como um novo lar (ou mais um lar),seja bem vindo cara!

G. Alvaro disse...

Sergipe!



TEnho que concordar, vc é mais carioca que eu, na base de 100% mais.

Mas é Sergipe. Pegou o nome.

Pronto.

Anônimo disse...

Finalmente, finalmente li algo aqui que consegui entender desde o começo, rs, nessas horas que paro e penso: é, tenho que parar de estudar numeros binários e colar mais com meu irmão ...
Parando a enrolação, fiquei muito feliz em lê esse "texto" pois percebi que vc está feliz, está em um lugar agradável, com pessoas agradáveis ...
Essa semana me deu uma vontade de te ligar e ir no bar que tem o garçom "amigo", pensei: vou ligar, quem sabe ele não se empolga, peg o primeiro avião e ai iremos curtir mais uma noite com o quarteto mágico ... rs
Bom, fico por aqui ... um beijo enorme e mais uma vez te desejo toda felicidade do mundo nessa nova jornada ... abços B1.

Soraya Biller disse...

Pois é Bruno...
Sergipe é assim...no começo eu era a Paulistinha...agora já sou a Soraya ou dona Soraya...
A gente se acostuma e sente uma falta danada qdo sai daqui.
Um abraço
Soraya