Talvez
dizer que lá vem o Brasil descendo a ladeira não seja mais um axioma –
por sinal, palavra bonita: axioma.
O
Brasil já desceu há alguns anos ladeiras e ladeiras e não com alegria como quis
Os Novos Baianos na conhecida canção. Politicamente, faz tempo, somos um
país pobre de consciência social e o modelo dominantes (minoria) exercendo
poder sobre os dominados (maioria) se manteve e mantém.
Assim
como meu gato Gregório, um bom vira-latas adotado, descansa sob meus pés, mas
de quando em quando observa pela janela, as/os personagens do velho casarão na
ladeira do Pelourinho, número 68, parecem em alguns momentos estanques frente a
realidade mórbida: só parecem.
As
mulheres, homens, crianças vão se movimentando como a própria paisagem, mesmo
que tal movimento me cause angústias tremendas: O mormaço doía como socos de
mãos ossudas. Invadia o sótão e as pessoas.
Mesmo
os animais não escapam: O gato ficava espiando junto da porta. Se o mormaço
estava muito forte, descia as escadas sem se importar com os ratos que fugiam.
Deitava-se então na relva do quintal perto das lavadeiras. Rolava na grama, brincava
com bolas de papel e levava pontapés das mulheres de quem sujava a roupa
estendida no quaradouro. Quando o sol vinha descendo e as luzes apareciam, voltava
para o sótão, entrava no quarto pelo buraco da porta e esperava, atento aos
passos.
Publicado
originalmente em 1934, Suor, é o terceiro livro de Jorge Amado. Na
coleção que leva seu nome, publicada pela Editora Companhia das Letras tem
posfácio assinado por Luiz Gustavo Freitas Rossi. Por sinal, belíssimo escrito
do antropólogo que em seu currículo possui o pertinente livro As cores da revolução: a literatura de Jorge Amado nos anos 30, publicado pela editora Annablume
com apoio da Fapesp, em 2009 (esgotado na editora). Contudo, como é resultado
de sua dissertação de mestrado, à quem interessar suas reflexões, segue o link
do trabalho no repositório da Universidade Estadual de Campinas: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/282026.
Não
sei exatamente que voz ouço, mas o impacto de Suor em mim bateu forte.
Firme. Que pesem as críticas que o futuro faria ao menino grapiúna – críticas sempre
existirão. Mas digo em alto e bom som, com voz rouca, querendo ser operário,
nem que seja das palavras escritas, mal escritas, que vale a leitura, mas entristece
o peito a leitura.
Entristece,
pois como conversamos, a lógica – ilógica – permanece. Dominantes e dominados,
o suor escorrendo pelo corpo, a crise sanitária, a falta de oportunidades, as
mazelas: o Brasil. Que pese quem tente exaltar as belezas – axioma – naturais do
nosso país, a ausência de catástrofes naturais, guerras (não há guerras em
nosso solo?), contudo, a realidade é mais dura. Há catástrofes todos os dias,
provocadas pelos conglomerados, pela vitória constante de uma minoria que mantém
em cabrestos a maioria, numa ignorância panem et circenses. E a guerra?
A
guerra é cotidiana, pela vida, pelo trabalho, dignidade, a guerra é para
muitos, a vitória, infelizmente, para poucos.
Não
sei se há rancor na minha voz, se é perceptível o rancor, diria quase ódio ao
passado que como um mormaço se mantém firme, estático no presente. Há. Sim, há
rancor, ódio. Não por alguém, algo. A não ser que se entenda o passado como
alguma coisa sólida, o que não é: o passado é passado. O que odeio é que ele
permanece imodificável no presente.
O
suor pode emanar por diversos motivos dos nossos corpos: o sexo, o medo, o
trabalho, a morte e a vida. O suor nos salga a pele e quando não, pode até nos
deixar em carne viva, morta como carne seca a ser comida com feijão.
O
suor, o cheiro predominante de suor, mijo, merda, feridas, tudo está presente no Suor escrito por um Jorge Amado que naquele momento ia cada vez mais
se estabelecendo numa luta inglória.
A
capa, a bela capa, num projeto sobre uma foto de Pierre Verger do Pelourinho,
Salvador, Bahia, parece reafirmar o que lhes digo: o passado parece ter
estancado como o mormaço que produz o pior tipo de suor, aquele que – parece –
impregnara para sempre nossos corpos passados e futuros.
Saravá, Jorge
Amado, obá de Xangô, filho e ogã de Oxóssi!
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