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terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Sobre o suicídio de Souza Paiol

Há tempos ele escreveu um poema, desses despretensiosos de quem acha que é poeta e no fundo é mesmo, porque todo mundo é poeta, treinador de time de futebol e conhecedor de doença. Na mesa de um bar, dos poucos bares em que eu ainda o via, nem bebendo, nem falando, só, ele só lá no canto com a mesma cara pro nada, ele me viu. Ele viu que eu o via. E o vi sorri de canto de boca um sorriso que há tempos eu também não o via dar.

Não era de declamar poemas, acho que no fundo era timidez ou não gostava mesmo. Só uma vez que me lembro dele se expondo, declamando no Castelinho do Flamengo num sarau, acho que num sábado primaveril, bonito até, mas pelo bem da verdade do que digo aqui, nem poema era, estava mais para versos em prosa ou uma prosa poética, sei lá. Mas nesse dia eu vi com esses olhos já meio embaçados pela idade.

Nesse dia do bar, do sorriso que andava já há muito tempo escasso, ele declamou, mas veio em minha direção, eu também estava só, mas não por necessidade como ele, eu estava pela ocasião. Cumprimentou-me com o jeito de sempre – o que não mudava – um sorriso largo, cheio de dentes, uns dentes brancos, meio pra frente. Era um sorriso que você dava sua mão direita em defender que ali estava um homem feliz. A famosa frase do poeta Maiakóvski – “Dizem, que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz” – seria a mais pura verdade, eu diria com firmeza que o russo o viu antes de partir dessa para o não sei o que!

Mas era só o sorriso. Uma dessas máscaras que a gente mal decifra, como aqueles quadros que de longe dão um entender e de perto são borrões. Acho que ele era isso, ou pelo menos o seu sorriso, sorrindo, fosse de longe ou de perto, formava uma paisagem ampla de um lago, de crianças felizes, de esperança, mas quando se olhava com atenção, com calma, tempo – tudo que não havia a ninguém – seria possível perceber que aquele sorriso era uma grande mancha de vários pigmentos entre angústia, dor interna, confusão, silêncio.

Mas veio até mim. Na mão esquerda uma folha de papel de caderno de escola, um poema manuscrito com esferográfica azul. Amenidades e eu curioso para ler ou ouvir o poema – ele percebeu.

Ofereci um trago da cerveja, ameacei pedir um copo, disse que não, era coisa rápida, era madrugada e já estava na sua hora, disse com voz rouca, decidida, porém, sem raiva ou coisa do tipo. Uma voz meio sensação de bala de tamarindo. Você me entende? Alguma vez chupou bala de tamarindo? Saberia a sensação da metáfora.

 Parecia que as palavras estavam contadas, como o tempo da gente é contado em segundos, minutos, horas, dias, semanas e anos. Explicou que era um poema antigo, de 2010, escrito numa madrugada, que andou mexendo nas caixas velhas, na papelada amarelada e que encontrou. Revirou o computador, procurou pastas, em contas de e-mail e não encontrou digitado no editor de texto, queria um favor.

Não entendi direito naquele momento. Mas, aceitei digitar o poema e disse sorrindo depois de sorver o gole da cerveja sobre a mesa que naquele mesmo dia, mais tarde, depois do almoço, eu o entregaria de volta o manuscrito. Não disse nada além de obrigado, apertou firme minha mão, numa firmeza tão contundente que meus dedos molhados pelo suor do copo quase se transformaram na sua. Levantou-se, olhou para trás e deu o mesmo sorriso aberto. Pensei: tudo vai bem, ele está estável nessa montanha russa em que o mundo vive já faz uns anos.

Não entendi direito naquele momento, não me culpo. Ninguém pode prever.

Só encontraram seu corpo, putrefato – coisa triste – uma semana depois de se encher de tudo que é porcaria até não acordar mais. Fico pensando se já não fazia tempos que ele não caminhava entre nós. Mas se não entendi antes, não será agora que entenderei. Segue o poema, exatamente como no manuscrito entregue naquele ano de 2022, um poema de doze anos atrás:


O suicídio de Souza Paiol
 
Já é madrugada, mais uma madrugada
Pego o isqueiro e acendo um cigarro inexistente
Enxergo a fumaça esbranquiçada
Penso no ontem
Pois do amanhã nada sei
Fortuna é um bem que não quero
Um pássaro emite seu som em algum lugar do escuro
Poucos carros passam na Avenida Adélia Franco
Penso em me perguntar quem foi ela um dia
Em algum lugar do mundo eu estou
Sozinho
Se olho para o lado
Vejo Alain Delon caído
Um morto na capa de um LP
Uma foto é uma representação quase precisa
Uma lata de Guaraná Jesus e um sorriso
I’ve got a feeling ecoa no meu ouvido bom
“Todo mundo teve um bom ano...”
É isso que diremos
É isso que esperamos
Mais uma canção dos Beatles
O sonho de mais uma canção
Aquela que não conhecemos
Pois se São Miguel tivesse mesmo matado o dragão
Se São Jorge pisasse na lua
Eu faria agora minha oração antes de dormir
Mais um avião desce no aeroporto Santa Maria
São Sebastião flechado me feche os olhos
Eu quero dormir
Já é madrugada, mais uma madrugada
Uma mesa sem porta retratos
Uma bela canção de amor
Já não passa um carro
O pássaro foi tragado pelo escuro
Todos os santos levaram o fluído do isqueiro
Souza Paiol se matou.
 
27 de fevereiro de 2010 – 01:28 AM

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Entendi o que é um ABC

 


Não sei bem se você me ouve. Mas acho que mais doloroso é ouvir no silêncio a própria voz e essa ressoa há tempos. De fato, faz muito tempo que essa conversa está guardada na caixa do peito. Não sei se pelo próprio tempo, o desalinho, desânimo, o tal do silêncio me fez ficar mudo e só. Você está aí? Você ainda está aí?

São muitas dores, eu sei. E eu ouço o som da minha voz ou mesmo o silêncio se quebrando com a caneca de pedra sabão mineiro se enchendo com a água do filtro de barro para que eu tome minha medicação. Mas não importo para ninguém. É o que o cérebro vai pregando como peça de pastor levando suas ovelhas ao matadouro e todo mundo um dia vai para o matadouro. Não é?

Continuo. Ouça mais um pouquinho, fugi do assunto, mas foi coisa rápida.

Hoje é dia 03 de janeiro de 2022, uma segunda-feira. Hoje, na verdade, num sábado de 1898, nascia em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Luís Carlos Prestes. A citação ao 03 de janeiro de hoje e ao de 1898 diz muito sobre essa jornada de ler cronologicamente – como temos conversado – a obra de Jorge Amado. Já uns dias iniciei O Cavaleiro da Esperança: vida de Luís Carlos Prestes, mas não parei para te contar as impressões, os sentimentos que tive ao ler o livro que o antecede na obra do baiano de Itabuna: ABC de Castro Alves.

Publicado originalmente em 1941 e retomado na série Coleção Jorge Amado da Companhia das Letras, com posfácio de Domício Proença Filho, li a edição de 2010 da editora.

Do escrito de Proença Filho entendi enfim o que é um abc, apesar de eu não ser tão ignorante, mas mesmo lendo sempre o posfácio como deve ser lido – no final – o ritmo da escrita de Jorge Amado era da mais pura louvação ao poeta baiano, seu conterrâneo. A voz dos escravos. A explicação, a exposição, de Domício Proença Filho ajudou e evidenciou mais o sentimento que me batia entre angústia e admiração.

 O que Jorge Amado, na sua cadência, na conversa com a sua negra, a sua amiga – companheira – nas areias, contando a grandeza, os feitos do poeta, humanizando Castro Alves, nos leva a tal ponto da gente se dar conta – sabe? – e se lembrar que é sempre bom perguntar-se: O que é uma biografia de verdade?

Amado usa notas de fim – adianto que no livro sobre Luís Carlos Prestes o mesmo acontece – dá opiniões. Ele consegue romancear uma vida, mas não são todas as vidas – a minha e a tua – grandes romances escritos ao acaso pela pena de algo maior?

Sinto angústia. Pelo menos sinto. E sentir alguma coisa já é algo, afinal, como num trecho do ABC: “Já que que a vida esmagava assim tantos homens e tantos sentimentos, já que ela era tão feia e tão errada, então ela não a queria, não se misturaria com ela, fugiria. A morte é também, amiga, bela como a mais bela das mulheres quando se tem medo da vida, de encará-la face a face, quando se pensa que o destino do homem é a desgraça. Para os que assim pensam, as estrelas do céu são um chamado, a lua é um convite, a morte é a suprema amante, só ela pode dar aos homens os bens que a vida não possui. E eles caminhas para a morte de passo firme e decidido porque vão para uma festa, não têm nada que os prenda à vida, estão desligados dos demais homens” (p. 47).

Jorge Amado canta em cada letra do alfabeto os feitos do poeta, insere um cotidiano em que a verdade mais pura é a dor que o passado não pode esquecer: a ausência da Liberdade.

E ele lembra bem, encerro assim, com uma voz que não é minha, mas que é do grande que segue amado: “Nessas noites oleosas da Bahia, quando do céu desce um infinito mistério, quando do mar chegam as canções mais doces de Iemanjá, quando da terra vem um cheiro poderoso de flores várias, nessas noites, amiga, vêm do mais escondido da cidade, de trás dos morros, do mais profundo da noite, ninguém sabe mesmo de onde, esses sons que do cais nós ouvimos de coração saltando no peito. São os baticuns das macumbas, são os candomblés batendo em honra dos santos que tu amas. De Oxóssi, meu santo, de Omolu, o deus que tanto temes, de Xangô e de Ogum. São atabaques deixando que a música role sobre a cidade e a evolva e a transporte para uma atmosfera de sonho. Nós sabemos, amiga, que lá, onde tantas vezes estivemos, naqueles escondidos lugares onde nossos irmãos negros festejam seus pobres deuses, negras dançam vestidas com os mais lindos vestidos de mundo. Sabemos também que a qualquer momento a caravana policial pode invadir o terreiro da macumba e levar os sacerdotes, os assistentes e os santos. Sabemos que é sempre uma aventura um baticum de candomblé. Que dos negros nem os deuses são livres para dançar na Terra. Mas que nem por isso deixa de, sobre as ladeiras da Bahia, ressoar a trágica voz dos atabaques, que nem por isso deixam de ser cantadas as canções de Iemanjá, nossa mãe, dona do mar e do nosso destino (...). Antes, negra, era ainda pior. No tempo do poeta Castro Alves, no tempo da sua infância e também depois, os negros eram escravos comprados em leilões, mercadoria que se vendia, trocava e explorava. E em troca de tudo que eles deram ao branco, sua força, seu suor, suas mulheres e filhas, a maciez da sua fala que adoçou a nossa fala, sua liberdade, o branco lhe quis dar apenas, além do chicote, os deuses que possuía. Mas deuses os negros traziam da África, os deuses da floresta e do deserto. E continuaram fiéis aos seus deuses por mais que rezassem aos deuses dos seus donos. E cavaram no subsolo das cidades templos que o homem branco não podia atingir” (p. 62-63).

quarta-feira, 16 de março de 2011

O Cordão dos Bate-bolas (Lembranças de um Carnaval)


Aqui no circo
Todo mundo grita:
- Iu-ri!
E todo mundo ri.
Pense no que “dé”
Borá?
Simbora, bate-bola!
Bate pé!
É supimpa essa vida de palhaço
Nessa linha que eu traço
Como a palma de uma mão.
Respeitável público
Lá vem Papai Sacudo e Zé Peido
Baixo astral esse sujeito
Que não curte se lavar!
- Ô papai me dê um cheiro?
Pois a vida e o picadeiro
Ainda tem muito a ensinar
E tem dias que no D.I.A.
A inspiração não quer chegar.
E se o trem vive lotado
A gente chega para o lado
Pede a São Palhaço pra viagem abençoar.
Mas se o santo não atende
A gente até entende
E se esforça pra chegar.
Mas se tudo der errado
‘Tá tudo acabado
Só nos resta gargalhar!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O cemitério de Paquetá

Quero a sorte de uma morte branda
Não tão velho
Nem tão criança
Sem capa ou obituário em jornal
Não quero ser nome de rua
Estátua em praça pública
Pois no fim só importa o caixão
Nem velório eu quero
É ofuscante a todo defunto
Alguém que chora mais alto
Do que o corpo estático na mesa
No fim das contas
É terra, verme e terra
Talvez um culto
Uma zuela tocada num terreiro
Uma missa do galo
Samba o dia inteiro
Não interessa
Eis que a carne apodrece
O corpo incha
E o sangue estanca
Assim como as lágrimas
O sangue estanca
Se uma cigarra cantar
Já vou feliz
Nem tão velho
Não tão criança
E se der
Que me deixem o corpo
No cemitério de Paquetá.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Poesia velha

Entendi que o quanto
É o longe posso estar
É como ver o mar e não molhar os pés
Pois poesia nova
É um velho sentimento que a gente coloca no papel
E repreende a letra de forma torta
Para no futuro entender o que escreveu.
Entendi o quanto
Já passou o amarelo do papel
Que desgraça de pintura
Quem escolheu o azul do céu?

sexta-feira, 5 de março de 2010

POemAS


Hoje eu acordei meio maiakóvskiniano
Não me digam eu te amo
Não me peçam favor
Quem sabe enfiarei uma bala no peito
A morte é um receio
Que me provoca calor

O
calafrio oco calorfrio



Hoje abrirei bala laica
Recitarei Balalaica
Da Cia For No
Ai, hoje acordei meio maiakóvskiniano
Talvez, o maior dano
Seja esse forte calor

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O suicídio de Souza Paiol

Já é madrugada, mais uma madrugada
Pego o isqueiro e acendo um cigarro inexistente
Enxergo a fumaça esbranquiçada
Penso no ontem
Pois do amanhã nada sei
Fortuna é um bem que não quero
Um pássaro emite seu som em algum lugar do escuro
Poucos carros passam na Avenida Adélia Franco
Penso em me perguntar quem foi ela um dia
Em algum lugar do mundo eu estou
Sozinho
Se olho para o lado
Vejo Alain Delon caído
Um morto na capa de um Lp
Uma foto é uma representação quase precisa
Uma lata de Guaraná Jesus e um sorriso
I’ve got a feeling ecoa no meu ouvido bom
No meu bom ouvido
“Todo mundo teve um bom ano...”
Essa é a esperança - dúvido
É isso que diremos
É isso que esperamos
Mas eu dúvido
É isso que sonhamos
Mais uma canção dos Beatles
O sonho de mais uma canção
Aquela que não conhecemos
Pois se São Miguel tivesse mesmo matado o dragão
Se São Jorge pisasse na lua
Eu faria agora minha oração antes de dormir
Mais um avião desce no aeroporto Santa Maria
São Sebastião flechado me feche os olhos
Eu quero dormir
Já é madrugada, mais uma madrugada
Uma mesa sem porta retratos
Uma bela canção de amor
Já não passa um carro
O pássaro foi tragado pelo escuro
Todos os santos levaram o fluído do isqueiro
Souza Paiol se matou.
Bruno Alvaro
27 de fevereiro de 2010 - 01:28 AM

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Libertango

Suas mãos correm no bandoneón
Me liberto com os lábios molhados de vinho espanhol
Zonzo, circulo os dedos
Penso se existo
Suo, pois o calor nordestino me consome os poros
Suas mãos correm no bandoneón
Não compreendo bem a força daquele som
Sei que ele existe e que ele existiu
Meio zonzo deixo pistas para o adeus...

domingo, 31 de janeiro de 2010

Marcha pr’um tempo sem sol

“Pega o trem e vem...”
Eu vou rumo a Central
Procurar por um bem.
Desço a ladeira da Chalet
- Eu só ando a pé, eu só ando a pé.

Encontro o Tavim na esquina do Bigode
A gente desce a Ciência
A gente não dá mole.
O frio está de lascar
De casaco flanela
Só pra esquentar.

De Juscelino vem o trem
Vai parar em Mesquita
- Estação tão querida.
A chuva fina não atrapalha o percurso:
Em Edson Passos entra o povo do jogo
(Sueca se joga em pé).
Em Nilópolis o trem pára
Os camelôs dão no pé.
Até Olinda tudo down
Em Anchieta eles voltam
E volta tudo ao normal.

No trem você encontra o Biscoito Globo
Picolé do China
E salvação pro povo.
Tem o vagão do samba
Tem o vagão dos crentes
Tem o vagão do jogo.
Em Ricardo de Albuquerque
É bom ficar esperto
Se a porta abria na esquerda
Melhor não dar bobeira
Pois abre na direita.

Me lembro,
Eita tempo bom:
Indo rumo a Central
Com cigarrinho no bolso.

Deodoro pausa pra entrar a muvucada
O trem é direto
Só parará agora em Madureira.
A chuva fina alivia o povo
E então
Em Cascadura desce uma multidão.
Engenho de Dentro, mais baldeação
Quem quiser ir pro Méier tem que descer logo
Senão...
Só parará em São Cristóvão
E se não quiser ir à Quinta
É melhor ter boa vista!

Central – estação terminal
E agora meu primo
Pr’onde vamos então?

O rumo é a 7 de setembro
Vamos comprar uns discos
Eita tempo bom
Como eu me lembro!
Depois pra Arlequim
Dar umas olhadas nuns livros
Se a coisa apertar
Eu te digo:
- Real Gabinete ou IFCS?
Você responde já suado:
- No aperto eu nem ligo, o negócio é ter vaso!

“Pega o trem e vem...”
Eu vou rumo a Central
Procurar por um bem.
Desço a ladeira da Chalet
- Eu só ando a pé, eu só ando a pé.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

29 de janeiro

Estou buscando a expressão mais certeira para exprimir o que sinto
Não sei se uso metonímias
Pois sou aliteração
Lugar comum é o pleonasmo
Em conjugar o verbo sou nada sem teu amor
Como uma canção de amor
Ou um equilibrista obrigado a abandonar a corda
Por um copo a mais de bebida
Cachaça para aliviar a febre
Metáfora do dia a dia
Se equilibrando ao léu
O letreiro ilumina nosso leito de dormir
Vago sem sono numa madrugada áspera
Vago sem sono
Pois sou aliteração...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Subúrbio, doce subúrbio

Subúrbio, doce é o subúrbio com suas ruas e casinhas de portas estreitas e quintais longos. Profundo é o samba e a batucada, as cabrochas e a velha guarda. Subúrbio da feijoada, caipirinha e cerveja gelada.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Poema nº 1

Teu corpo sobre o meu
Meu corpo sobre o teu:
Chocolates.
Tua pele – chocolate.
Vinho tinto – meu suor.
Levemente beijo teu mamilo.
Sonho ou liberdade
Teu cheiro nos lençóis da cama?
Me enrolo.
Rolo de um lado para o outro,
Procuro teu espaço,
O espaço que arrancaste do meu peito...
É o meu fim.
Ficas comigo essa noite?
Vá se embora de mim?
Estrelas,
Constelações.
Está constatado
O sonho.
Me apego à simetria dos teus lábios.
Me enrosco no gosto bom da tua língua.
Mergulho fundo entre as tuas pernas.
Ternas elas são, pois me acolhem o falo.
Falo obscenidades ao pé do teu ouvido,
Vejo que tu gostas:
Ouço teus gemidos.
Rimo conversas sujas que tivemos
Ainda jovens como o tempo.
Tu eras assim: silêncio.
Sorris brancamente com olhar ainda de menina
Mas teu corpo é de mulher.
Exausto
Olho o teto branco
E vejo pautas surgindo no escuro.
Escrevo ali meu poema,
No caderno do quarto.
Me demoro em cada verso,
Pois quero que tenhas meu melhor retrato.
Pois minha poesia é assim:
Meu retrato exposto,
Revelado.
Me perguntas no que penso
Te falo sempre a verdade:
Meu momento foi pensamento
Quando tu tocaste minha alma.
Me deixaste ao relento,
O calor sorveu meu sofrimento
E agora sou assim:
Escritor de teto.
Nas folhas brancas que são as paredes do quarto.
Nas pautas do caderno do quarto
Escrevo para o mundo com meu eterno silêncio
A palavra que exprime o melhor gozo guardado:
Cansaço.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Poema último

Todos os poemas que escrevi
São obviedades tão próximas do obsceno
Que cada verso que escrevo
É na verdade algo que não fiz
São sentimentos alheios
Verborragias poéticas
Beijos no espelho ou no joelho
É uma infância perdida
Uma doçura diabética
Quando te conheci
Minha poesia ficou mais pura
Não sei se era primavera ou verão
Hoje é trinta e um
Viro da cama como vira o ano
Em frente à grande janela da cozinha
Um velho abacateiro
A chuva não para de cair
A perspectiva das coisas é estar aqui
Pensando em você.

domingo, 13 de dezembro de 2009

As lágrimas ardem

Embora eu já não saiba o meu paradeiro
Embora a vida me prenda com seu arreio
Me arrepio os pelos do braço
Quando abraço um beijo
Se mordes meus lábios insanos de desejo
Eu digo adeus a mim mesmo
Pois quando foste embora de mim
Embora eu soubesse que era o meu fim
Te trouxeste aqui comigo
Todos os dias da minha existência
Cada passo dado na eternidade
Eu te esperaria para outra vida
E se é carência ou saudade – eu não sei.
Pelo que me disse a lua
Sua voz não é muda
Sussurre mais uma vez tuas palavras de amor no meu ouvido
Que eu me curo.
Onde está você agora?
Eu me curo.
Eu chorei essa noite
Eu chorei essa tarde
Eu chorei esses dias
E as lágrimas ardem.
Quando olharei novamente teus lábios entreabertos
Bem leves
Enquanto leve te penetro a alma?
Embora a vida me prenda com seu arreio
Queria me desprender do mundo
E voar e no fundo
Voltar de onde tudo veio
Pois escolhi o céu
Para a minha centelha.
Embora eu saiba
Mas não admita
A vida não me odeia
E seu eu faço minha própria saída
Meu poema me rodeia
E com os versos na instante
Liberto minha alma
E sussurro como um alto falante.

Aracaju, 13 de dezembro de 2009 – 02:39 AM
Bruno Alvaro

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Por toda a eternidade

Sem perceber já era tardinha
O sol beijava a Baía
E ao longe, Niterói se transformava
Num emaranhado de luzes refletidas na Guanabara.
Como dois lábios que se tocam
E dizem tudo sem emitir som sequer
Nos encontramos numa tarde
Para nunca mais nos perder.
Nunca mais nos abandonarmos
E vivermos um amor de verdade
Juntos, meu bem,
Por toda eternidade.

Parece que digo te amo
Como respiro
Te amo
Eu falo teu nome cantando no tom.
Desde quando você está comigo
O mundo é muito bom.
Parece que digo te amo
Quando respiro: te amo.
Desde quando você está comigo
Tudo no mundo é tão bom.

domingo, 13 de setembro de 2009

Praça XV – 10 de janeiro de 2007

Começamos bem
Quando ficamos sós
E ontem, antes de duas garrafas de vinho
Massa e boa prosa com um amigo
Me lembrei do beijo doce na Praça XV
Pois o Rio era só nosso
O sol beijava o mar ao longe
A Perimetral parou
Na Primeiro de Março silenciaram os carros
E nem era dia de domingo
Entre choro e samba
Entra e sai de gente
Começamos bem
Quando ficamos sós
Só nós dois entre a multidão e o vai e vem do Rio
A 7 de setembro era só mais uma data em rua
A Uruguaiana só um ponto de referência
O Largo de São Francisco ficou estreito por nós dois
A Lapa, a praia, o bonde, tudo se entrecruzava
Enquanto tudo era um beijo
Meu e seu
E ontem, após duas garrafas de vinho
No silêncio do escritório
Com a claridade clarividente
De que mais um dia raiou
Transformando o ontem em hoje
Percebo que não há nada melhor no mundo
Que ter teu nome grafado num pedaço grande da minh’alma
Pois enquanto o dia acorda
Num provável dia calmo de domingo
Me lembrei da Praça XV
E no beijo doce que dei em você.

domingo, 30 de agosto de 2009

Poema Óxido

A solidão é como ferrugem, vai corroendo
Corroendo
Ando correndo dela – e nada.
Me corrói todo: os ossos, a pele da cara.
Corro, mas vai doendo
Corro mais, mas vai doendo
Dor em dor me consumindo.
Nunca pensei que o Rio me faria tanta falta
Pois se aqui estou cercado de gente
Sinto ferrugem na alma.
Quero o morro sem calma
A roupa pendurada no varal do abacateiro
Favela iluminada sem tiroteio
Pois só sendo carioca para perceber a falta
Que é atravessar a ponte Rio-Niterói e ver tal pintura alta.
Tateio meu peito angustiado
Rio dos ecos que produz minha presença no vazio da sala.
Me tento a ser de ferro
Mas mais e mais vou enferrujando como um velho vestido da Dona Isaura.
Quero o x bem forte no sanduíche
Quero ouvir samba no Trapiche
- Ai, que coisa boa: samba de roda no Trapiche da Gamboa!
Quero afrouxar o coração apertado
Ir a Tijuca visitar o Thiago
Quero ver o dia surgindo aos poucos
Anunciando o dia que para nós sim é o santo:
Pois não há sábado melhor que ver o céu se abrindo para a lua
No Abracadabra, sentando com as mesas na rua.
Preciso comer salame em casa com o Gustavo
Ele ao violão e eu na flauta.
Preciso do som da voz do meu pai
As conversas longas com a minha mãe.
Quero o caminhar com Ana nas ruas estreitas do Rio
Sorrindo feito menino.
Cortar a Linha Vermelha ou a Avenida Brasil – a mais pura coragem!
Ir à Praia Vermelha com meus pais no domingo
Ouvir os passarinhos da Pista Claudio Coutinho.
Fugir de flanelinha
Ver filme no Odeon com pipoquinha
Quero comer churros de verdade
Aí sim, que a ferrugem nunca mais me maltrate
Pois vai doendo
E em dor em dor: vou vivendo.
Pois andar cantarolando Chico Buarque
Pelas calçadas com olhares incógnitos e assustados
Não rarefaz minha saudade
E saudade é prima irmã da solidão
Enquanto vou correndo da ferrugem
A saudade me encontra no colchão.

Aracaju, 30 de agosto de 2009 – 04:20 AM
Bruno Alvaro

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Almoço e jantar

Já nem sei mais com que sonhar
Confundo os espaços vazios de minha casa
Com os ecos mortos de minha voz.
Sou minha própria companhia
No almoço e no jantar.
À tardinha o sol ilumina a cozinha
Um amarelo avermelhado como eu nunca vi,
Deixo assim
Todas as janelas abertas para a visita do vento
E converso comigo mesmo
Com os ecos mortos da minha voz.
Arrumo a cama e disponho os travesseiros de maneira tal
Que eu pense que sua cabeça adormecerá ali
Mas não:
Já nem sei com que sonhar.
Quando acordo meus olhos estão bem mais vermelhos
Que com sono
Escrevo cartas para mim
Brigo comigo mesmo
Por deixar a louça suja
Sou minha própria companhia
Em cada canto desse lugar
Eu sou um azulejo
A falta do sofá
A mesa de centro que não tenho
Mais um almoço e um jantar.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Um pouco de todos nós

Daqui um pouco,
Um pouquinho só, eu diria
Estaremos todos sós
Eu, meu pai e eu
Mais mãe.
Pois quando se está acima das nuvens
Quando se vê lá de cima do céu
Um pedacinho de tudo é
Que é um pouco menos que eu
A gente percebe que a vida
Que a vida do mundo morreu.
Já que a cada sopro do vento
É um vendaval que nasceu.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Encaixotando a vida

É
talvez
daqui eu vá ficar
um tempo.
Pois
sei lá
daqui eu ouço
o vento.