quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Uma crônica para você


"Sarau" - Foto de Bruno de Medeiros (Jun. 2008)

From: Bruno Alvaro
To: Gustavo Alvaro
Sent: Wednesday, August 27, 2008 2:31 PM
Subject: RE: Quanto ao evryborischangin'.

Aí é que tá cara! Eu quero tentar fugir das classificações! Entende meu problema? Entende? Sei lá... uma coisa que me dá que me faz correr do organizado, uma coisa, juro para você, consciente. É como se eu quisesse que meus escritos fossem turbilhões de pensamentos que deixo guardado na caixa da mente. Fico analisando-me e pensando o que está acontecendo, pois, primeiro, não tenho o intuito de classificar aquilo ou aquilo outro como crônica, ao mesmo tempo não quero que seja prosa, poética ou não. A resposta que tenho nesse momento, talvez, seja relacionar isso tudo a um certo tipo de "terapia escrita" para me deixar relaxado quanto à redação da dissertação do mestrado. Pois nela sigo regras bem exatas, não devaneio, viajo o mínimo possível, tenho início, meio e fim para o que digo! Ó vida! Ó céus!
Sem contar, que talvez eu possa te dizer que poucos leiem aquilo dali, posso talvez dizer que aquilo é uma luta contra concursinhos baratos que tomam nosso dinheiro em antologias péssimas para que maus escritores (como nós? Hehehe) tenham livretos na estante ou tenham o que presentear a algum amigo que não perceperá que você estava sem grana para comprar um cd do Guinga ou do Mc Marcinho. Talvez seja a minha resposta aos elogios toscos que eu recebia no Recanto de escritores que sonham em escrever bem ou não e ficam trocando: "Nossa, teu conto é lindo"; "amei tuas letras...". Esse tipo de coisa. Sei lá. Quero ouvir coisas como o que você escreveu. Quero o feio, talvez. Talvez estou ficando maluco de tantos talvez. Talvez seja isso. Entende?

Por fim, acho que é algo como sair, criança, correndo pela antiga Vila de Realengo indo comprar hambúrguer: "Dona Idê mulé do Dê, Dona Idê, mulé do Dê!"

Dedá!?!?! Já vai!
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De: Gustavo Alvaro
Assunto: Quanto ao evryborischangin'
Para: Bruno Alvaro
Data: Quarta-feira, 27 de Agosto de 2008, 3:12 AM

Quanto ao evryborischangin'. Li, gostei até a metade. Novamente até a metade seu texto é excelente, o resto não é ruim, só não leva a lugar algum. E é esse o problema da crônica: ela tem que ser estrada, mesmo que sinuosa, partida, ela tem que te levar a algum lugar, e sua crônica trabalha mais no desenvolver do que no concluir, como se fosse um conto, por exemplo. Mas é uma crônica. Acho que essa caracteristica é natural pra vc, que começou no poema, correu pros contos(que lembravam poemas!), e agora, caindo na crônica, elas lembram contos... É normal essa reação pseudo-intelectual de encontrar resenhas e artigos e criticar/comentar todas as coisas que nos é interessante. Mas devemos fazê-las conscientes de o que o leitor vai entender, pois é direito do leitor, e tem de ser preocupação primária do escritor, que o leitor leia e entenda o que está escrito, do que se fala. Ele tem direito de ler e entender, não se perdendo na metade do caminho. Pois sua cronica lembra mesmo uma gaveta mental, coisas desarrumadas e pensamentos e idéias escritos sem muita construção de sentido. Começou bem, e não terminou mal, só parece que voce se mistura consigo mesmo e não se reconhece escrevendo, e sim pensando.
Pás e Bônus
Teu primo Deda.
(já vai...)
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Uma crônica para você


Um tempo passa numa fração de segundos e as crianças que fomos se transformam num estalo de dedos em homens barbados. Mas as barbas, prenúncios de poucos cabelos, redução nos lanches urbanos e bebidas destiladas, apenas demonstram que a vida segue seu rumo como uma estrada. Como uma crônica: com principio, meio e fim.
Se quando caminhamos lado a lado à procura de discos raros ou confessamos travessuras ao som de uma flauta ou violão. Ou quem sabe, ao menos, em tempos mais remotos passávamos tardes inteiras sujos brincando no quintal ou no quarto naquela casa de final de rua que nos possibilitava ver o mundo inteiro do terraço. O simples pensamento era objetivar um principio, meio e fim.
Poucas pessoas procuram no tempo a sinceridade e a calma que ele pode nos dar. Pois o tempo, no fundo, no fundo, é o senhor de tudo. É ele quem faz crianças crescerem e descerem a rua em busca de trabalho, é o tal tempo que acende cigarros e coloca cervejas nas mesas. Que discute filosofia e literatura no mesmo balaio da Luluzinha.
É o tempo que desmonta e remonta as férias em Paquetá, o fingir ser bons nadadores na beira da Moreninha. É ele quem traz de volta as cocorocas pescadas na Ponte da Saudade. O tempo traz à tona do poço escuro a palestra enfadonha no Real Gabinete. Relembra, afoito, as tardes de quarta na ABL.
O senhor tempo mareja com lágrimas os olhos dos bêbuns. O uísque escondido no porta-malas do carro, a volta majestosa após banho de mar no final de uma madrugada inesquecível depois de um Chico Buarque em plena forma no Canecão.
É o tempo, só o tempo que nos traz principio, meio e fim. É somente o tempo que ajeita as arestas da crônica. Que consegue aos poucos separar poesia e ilusão. E é ele, por fim, que transforma em crianças homens feitos. É ele que encerra tudo.

Everybody's Changing ou O que são Flores Partidas?

"Escrevendo e Apagando em Porto Alegre" - Foto de Bruno Alvaro (Porto Alegre - Jul. 2007)

Engraçado como às vezes as coisas parecem se encaixar de tal forma como um bom roteiro escrito. Se encaixarem sem parecer piegas demais. Ou seja, um bom roteiro. E, de vez em quando, a vida é assim: um bom roteiro escrito.
Esse texto, por exemplo, me veio à mente hoje de madrugada, na verdade, hoje pela manhã, por volta das cinco e pouco da manhã. Deixei o texto para lá, não seria o primeiro, tampouco o último a ser guardado na gaveta da memória, para um dia, com o cheiro habitual de naftalina que minha mãe coloca para evitar as traças e baratas, essa mesma gaveta se abrir e exalar textos e odores do passado. Esses cheiros não mudam. Porém, todos mudam. Talvez nem todos. Nem sempre. Mas, de certa forma, tudo vai mudando. Todo mundo está mudando. Assim como o texto mudou. Um pouco. Mas mudou.
Não sou muito dado às mudanças, na verdade, quase não acredito nelas, mas faço uma força danada para mudar.
Hoje mudei de cabeleireiro (esse hoje é de semanas). Engraçado minha relação com meus cabelos. Não gosto de cortar os cabelos. Nunca gostei. Talvez, por anos e anos seguidos ter sido minha mãe, mesmo não sendo cabeleireira, a pessoa que tinha a responsabilidade de aparar as arestas da minha cabeça. Por esse motivo, quem sabe, em vinte cinco anos de vida, consigo enumerar, praticamente, todos os barbeiros e cabeleireiras que cortaram meus cabelos.
Como disse no início, as coisas, às vezes parecem mesmo se encaixar. O hoje do parágrafo anterior já se vai em semanas.
Esse texto abri hoje e tinha cheiro. Cheiro de madrugada, não muito diferente dos cheiros anteriores. A afirmação de que, talvez, nem todos mudam, muito me preocupa. Pois se não mudamos como acertar os erros?
E aqui um parágrafo vale por quase um mês. Talvez, final de julho, metade de agosto, fim de agosto. Um parágrafo: duas, três semanas. Uma linha, uma frase inteira, uma tentativa exaustiva pela busca de uma perfeita oração: horas.
Tudo está mudando a minha volta. A casa, a montanha, as nuvens no céu. Domingo passado um frio tenebroso caiu sobre o Rio de Janeiro, uma chuvinha fina caia sobre meus pés. O Palácio estava vazio e o cinema II parecia pertencer a uns poucos casais, que, como nós, decidiram se aventurar pelo Centro e assistir uma comédia básica de açúcar.
Talvez, se eu colocasse datas, horas, minutos e segundos, utilizasse números com a mesma intensidade que tento alocar cada palavra que sai confusa da minha mente, saberia, com uma certeza quase iluminada, quando, realmente, iniciei este texto.
Pois o tempo é como cada um de nós: muda. É como um final de um filme cult que tentamos buscar respostas que, às vezes, não existem.
São flores partidas. Rosas. Buscas por perguntas e um final talvez sem nexo, ou não. Domingo com pipoca e coca-cola, deitamo-nos na cama e ligamos o dvd. Muito eu esperava naquele momento sobre o filme de Jim Jarmusch: Broken Flowers – traduzido como Flores Partidas aqui na terra do Primo Zé.
Confesso, e confesso com pesar, que no fim do filme achei grande perda de tempo o tempo que dispensei em vê-lo. Mas tudo muda. Acho que agora, depois de alguns dias, percebo as nuances do filme e, no fim das contas, acho que tem fundamento o roteiro, principalmente se tentarmos adentrar no mundo desse “Don Juan cinqüentão” e, também, ler ao seu lado a carta cor-de-rosa. No fim todos nós mudamos um pouco aqui outro ali.
Acho que é hora de publicar. Não há muito mais que tecer nessas horas. Não há muito que dizer sobre tudo que muda. O vento. O sol. A noite. As noites... E esse texto já deu o que tinha que dar. Hoje já é outro hoje. Outro dia. No fim das contas: A poesia é o presente.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O meu Deus não ouve não? (Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria)

"Noturdiurno" - Fotos e montagem de Bruno Alvaro


Um dos artistas que mais marcaram minha formação, como pessoa que tenta de alguma maneira se expressar artisticamente, foi Edu Lobo. Sobre ele eu teria muito que dizer. Mas não digo. Não é esse o intuito do texto e, mais uma vez, como em muitas vezes aqui, direciono minha fala, pois eis que falo, sozinho ou com quem quer que seja e queira me ouvir, para um outro tema completamente diferente. Edu Lobo só surge aqui, pois é dele a música Borandá, escrita em 1963 e gravada com a participação do magnífico Tamba Trio.
É dessa canção que retiro o verso que forma minha pergunta inicial: O meu Deus não ouve não? E nela ouvimos a voz do retirante que afirma que já fez mais de mil promessas, rezou tanta oração, mas: Deve ser que eu rezo baixo/ Pois meu Deus não ouve não...
Confesso que, assim como o retirante da canção do violonista, muitas vezes Quanto mais eu vou pra longe/ Mais eu penso sem parar/ Que é melhor partir lembrando/ Que ver tudo piorar. Porém, há diversas forças que nos sustentam nesse caminhar infinito da vida, vida, pois, que é finita e que nos conduz nesse mesmo caminhar por auroras e outroras que não conseguimos explicar. São forças como o amor, a esperança, a fé...
Ontem, nessa mesma hora, um desespero estranho me bateu entre cansaço e pesadelos e, pelo visto, rezei alto, pois senti o divino me atender de alguma forma. A calma foi me abraçando, o sono chegando e respostas certeiras para aquela angústia foram chegando bem aos poucos.
Entre um trago e outro de um cigarro imaginário que é o suspiro desesperado da madrugada chegando, da madrugada se indo, do dia surgindo e os afazeres da vida nos anunciando que mais uma jornada deve ser cumprida (e vencida), fui realmente acreditando que consegui rezar alto.
Confesso que há muito minha relação com o Deus cristão morto na cruz é um tipo de contrato social estabelecido por normas de condutas ainda aprendidas na infância suave que só era atribulada em momentos desses mesmos tipos de angústias e tristezas. Tempos outros aqueles, já que o mundo ainda era um grande mar e esse mesmo mundo bem mais fácil de se abraçar.
Mas entre uma lembrança de férias em retiros aqui e uma poesia sacra acolá, vem essa necessidade esporádica de, sempre na tristeza e na angústia, me refugiar no silêncio da catedral que são meus pensamentos. É como a letra de Chegança, também de 1963 e escrita a quatro mãos com Oduvaldo Viana Filho: Ah, se viver fosse chegar!/ Ah, se viver fosse chegar!/ Chegar sem parar/ Parar pra casar/ Casar e os filhos espalhar/ Pôr um mundo num tal de rodar...
E são esses meus pensamentos madrugueiros, matutinos, corriqueiros... Vendo o sol indo, vendo o sol vindo. É um eterno retorno, uma eterna angústia. Agora mais forte com o tempo. Mais ácida para o estômago. Pois nesse tempo, os ouvidos ouvem mais. Senhor, ah, eu sei!
Pois, definitivamente, Se é fraca a oração/ Mil vezes cantarei/ Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria/ Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria!


(*) Músicas que valem o tempo do ouvir assim como ouvi:
Borandá (Edu Lobo)
Chegança (Edu Lobo e Oduvaldo Viana Filho)
Reza (Edu Lobo e Ruy Guerra)

(**) Todas essas músicas estão presentes no primeiro disco de Edu Lobo A música de Edu Lobo por Edu Lobo (com a participação do Tamba Trio: Luis Eça no piano; Bebeto Castilho na flauta transversa e contra-baixo e Rubens Ohana na bateria). Gravadora Elenco – 1965.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Once (Ou as escolhas nos direcionam...)


O final de semana foi calmo, como todo final de semana deveria ser e eu até poderia listar todos os não-afazeres que fiz. E poderia, aqui sentado, descrever o gosto doce do drink de sexta, o abraço apertado da preta, o som preciso das músicas do Edu Lobo ou como estava o Centro do Rio no domingo ensolarado de Aterro do Flamengo lotado. Não. Confesso que não foi esse o impulso que me fez sentar encarando o computador.
Filmes bons eu listaria muitos. Mas falarei de apenas um. Não é clássico. Pouco se falou sobre ele. Então, engordo as fileiras, talvez atrasado, mas, ainda assim, engordo.
Once, traduzido para o português como Apenas uma vez, é um musical um tanto singular. Primeiro pelo seu roteiro, diferente das fórmulas quadradas de todos os musicais que já vimos. Ao contrário de um diálogo seguido por uma dancinha e uma música que narra o tal diálogo (quando há diálogo), Once faz das músicas a manifestação da alma dos personagens e, talvez, pelos atores não serem atores e sim músicos (e bons, por sinal), o frescor a sinceridade do filme nos prende. Para uns, pode até ser classificado como um filme arrastado, que não tenha o poder de prender à primeira vista, discordo. É justamente o “ar caseiro” da fotografia e a simplicidade nas falas que nos prende.
O roteiro, como bem diz o diretor John Carney, pode ser resumido em dois segundos: A história de um artista de rua que encontra uma imigrante tcheca que toca piano, fazem amizade, há um prenuncio de uma paixão, compõem canções juntos, blá, blá, blá. Contudo, essa amizade/ admiração/ possível paixão, não é fundo da trama e sim (!) as canções! E que canções meu caros!
Como canta o rapaz do violão, como se casa bem sua voz rasgada com a da menina tcheca! E como as músicas são musicais!
E são elas (por isso um musical) que criam o cimento para esse concreto musical narrativo que é Once. Não é à toa que uma das músicas compostas por Glen Hansard (que faz o papel do artista de rua sem nome, sim, sim, nenhum dos dois personagens tem nome!) foi a ganhadora do Oscar de melhor canção.
A imigrante tcheca é representada pela cantora e pianista Marketa Iglova. Voz suave. Afinadíssima.
Minha singela opinião é: Bom, muito bom! Vale a pipoquinha, um ombro para se recostar e, claro, depois cantarolar as músicas.
Por que o filme não é chato já que tem tanta música? Fácil: assista e tire suas próprias conclusões!
Por fim, me pergunto: As escolhas que fazemos realmente nos direcionam?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Os sons da infância

Há aproximadamente quatro anos, mais especificamente, em 2004, uma série de homenagens foram prestadas ao cantor e compositor Francisco Buarque de Hollanda. Seus 60 anos de idade comemorados naquele ano, foram passados em revista, por uma exposição na Biblioteca Nacional, uma série de programas e, dentre outras coisas, uma coletânea de ensaios e artigos assinados por diversos nomes ligados a inúmeras áreas como: jornalismo, história, literatura, teatro, etc.
O livro, organizado por Rinaldo Fernandes,[1] intitulado Chico Buarque do Brasil: Textos sobre as canções, o teatro e a ficção de um artista brasileiro, é na minha opinião, até esse momento, uma das mais completas reflexões sobre a vida e obra de Chico Buarque. Contudo, pelo incrível que pareça, não é sobre o livro ou Chico que alçarei vôo nesse texto.
No artigo Num fiapo de tempo: Chico, Sérgio e Benjamim, presente no livro, Pedro Meira Monteiro inicia seu texto relatando uma das muitas lendas que envolvem o cantor e seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes do Brasil. Resumo aqui sobre o que se trata. Chico ao relembrar sua infância e seu relacionamento com seu pai, destaca que uma das memórias mais presentes é o som da máquina de escrever do historiador, sempre em movimento no escritório, sempre emanando os famosos sons, que, talvez, os jovens de hoje não consigam discernir. Essa lembrança não é tão singular na família dos Buarque de Holanda, revendo pela milionésima vez a cine biografia de Sérgio Buarque de Holanda, observei também ser essa uma das recordações narradas pela cantora Miúcha, filha mais velha do falecido historiador.
Eu poderia ficar aqui horas e horas resenhando o livro sobre Chico, poderia viajar nas histórias narradas no documentário, ou mesmo displicentemente, algo recorrente aqui nos textos do Ventríloquo, esquecer o brilhantismo textual, perder o tino mais uma vez e falar sobre o impacto que teve em mim a famosa tese sobre o homem cordial, lançada no mesmo livro que alçou Sérgio como um dos maiores, ao lado de Caio Prado Jr. e Gilberto Freyre, pensadores sobre a formação do nosso país: o famoso Raízes do Brasil.
Contudo, mesmo em tempos de pós pós-mordenismo(?), ainda se faz necessário manter uma certa coesão nos pensamentos postos no papel, no nosso caso: no espaço virtual.
Voltemos ao anedotário, essa pequena grande introdução, é apenas para desenvolver o que mais me interessa nesse momento: os sons da infância. Os sons que Chico Buarque e Miúcha relatam se lembrar de quando ainda eram crianças é o barulho ora pausado ora continuo da máquina de escrever de seu pai. Após rever o documentário, fiquei abismado de como as coisas podem ir se perdendo no tempo e tentei resgatar os sons da minha infância e me surpreendi como eles também estão intrinsecamente associados ao meu pai e como estamos às vésperas do dia dos pais, eis aqui minha homenagem.
O mais antigo dos sons que carrego comigo e confesso agora não serem tão mais constantes era o barulho de suas chaves na estante. Me recordo que esse era o sinal de que me pai havia chegado em casa. Era uma estante grande que não sei o fim que teve. Conforme as mobílias foram sumindo o som também foi se modificando. Hoje as mesmas chaves se quedam na mesinha de centro da sala. Claro que com o passar do tempo a vida também vai mudando e meu pai carrega consigo novos sons como um forte suspiro de cansaço de mais um dia vencido.
Outro som que esteja onde eu estiver me traz o cheiro da infância, as brincadeiras de rua, o futebol de várzea, enfim, é o som de um forte assobio. Quando, aos poucos, a liberdade foi sendo me dada, impreterivelmente, era assim que meu pai me chamava no fim da escadaria que atravessava nosso quintal e, indubitavelmente, lá ia eu, por vezes azedo, voltando para casa, que ficava, confesso, alguns poucos metros de onde eu brincava.
É, alguns sons por mais simplórios que pareçam, ficam conosco para o resto de nossas vidas, ali, martelando, ora o peito, ora a alma, e como cantou Gilberto Gil: Já não somos como na chegada, o sol já é claro nas águas quietas do mangue, derramemos vinho no linho da mesa molhada de vinho manchada de sangue.[2]
E me pergunto: nessa mudança toda, quais serão os sons das crianças de agora?

[1] Professor de Teoria Literária na Universidade Federal da Paraíba.
[2] Miserere Nóbis (Gilberto Gil e Capinan) gravada no disco Tropicália ou Panis et Circences.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Enquanto não se é maracujá de gaveta, melhor é ficar exposto na feira!

Citrullus vulgaris


O fenômeno recente que invade os jornais e revistas, dedicados aos importantes assuntos fúteis matinais, é a temporada de mulheres frutas, todas tipicamente modificadas “a la” agricultura brasileira, ou seja, com doses cavalares do que não é da estação, no caso: silicones, botóx e afins. O mais curioso é a falta de necessidade de tais aplicações por se tratarem de frutas ainda verdes (nem maduras, nem podres). Talvez, no caso da fruta de maior exposição na hortomídia e que, segundo o nosso querido Aurélio, é uma planta herbácea, prostrada, da família das cucurbitáceas (Citrullus vulgaris), de origem africana, de folhas bastante subdivididas, e cultivada por causa dos frutos, enormes bagas uniloculares e polispermas, muito sucosas, de casca verde e polpa vermelha com sementes negras, seu instrumento de trabalho tenha se mantido natural, pelo menos até agora. Conta-se que tal fruta (a Citrullus vulgaris) desistiu de um possível regime temendo que seu sonho de posar, bem verde, diversas e diversas vezes na revista de Horticultura Masculina, fosse atrapalhado, mas mal sabe ela que sonhos de consumo são como um interminável pesadelo, são a História Sem Fim do ser humano. Mas que ela siga feliz!
E segundo o que consta ainda nesses matutinos, tal mulher fruta (a Citrullus vulgaris) está atingindo seus objetivos – e é tão bom quando conseguimos isso, não é verdade? Em tempos de vaca magra, as frutas estão a toda na estação e os tais 15 minutos de fama já perduram bastante. Aliás, de “crão” em “crão” a galinha enche o papo, já diria a sabedoria popular!


Morango. Do latim vulgar moranicu.
Infrutescência carnosa (e não fruto)
do morangueiro, na qual estão uns
grânulos duros, que são os verdadeiros
frutos.
DICIONÁRIO AURÉLIO.










Mas os garotos e pervertidos de plantão sabem que há muito a coleção de revistas do papai (aquelas que muito nos ajudaram a descascar batata na puberdade) já não são tão inacessíveis o quanto eram tempos atrás e, creio eu, que a mulher fruta (a Citrullus vulgaris) ou quem está por trás dela (no bom sentido, é claro) deve saber disso. Todos lucram e na feira livre que é a sociedade brasileira todos querem lucrar, sendo assim, melhor mesmo abraçar a oportunidade que essa enorme feira de agricultura está disponibilizando. Aliás, o efeito bunda, digo fruta, no Brasil é tão fértil quanto essa terra em que tudo que se planta dá...
Dar não, pois nossas frutas não são de todas murchas e, graças a Deus, pelo menos com ela, aparentemente, o famoso teste do sofá não se aplica! Explico-me. Num desses domingos de sol que deram no inverno, li eu que a besta de um desses muitos apresentadores de tv que tem por aí, ofereceu uma quantia exorbitante por uma, digamos, provada, numa das frutas da estação (a Citrullus vulgaris) e recebeu um belo não como resposta. Ficou chupando o dedo ou, provavelmente, descascou batata, como muito marmanjo que trabalha na construção civil e compra religiosamente por R$ 3,90 o complemento frutífero que vem junto com um jornal que dá para se ler em meia hora.
Sim, descascou batata vendo as duas Horticulturas Masculinas que saíram com ela (a Citrullus vulgaris) na capa. Confesso, meio preocupado de acusações de hipocrisia, de que realmente não vi a revista completa e minha opinião sobre a fruta exposta se constrói através de comentários e fotos promocionais em quitandas de jornal!
O que realmente vale é a afirmação de que de murchas e bobas essas mulheres frutas não têm nada, pelo menos a mais famosa fruta da estação (a Citrullus vulgaris) e isso prova que meu texto não é uma acusação ou crítica, mas quase um manifesto em defesa às suas sementes, desde que mudas e sem acompanhamento musical. Porém, vale ressaltar, que pesquisadores afirmam que o grito das plantas é horrível quando estão sendo cortadas, mas posso confirmar (e todos podem) que a voz do nabo que canta “crão, crão” é deprimente! O nabo a que me refiro foi o que lançou a fruta da estação (a Citrullus vulgaris) e acabou lançando, ou melhor, evidenciando a temporada das mulheres frutas.
Digo que meu texto não é uma crítica e afirmo veementemente que de murchas e bobas essas mulheres frutas não têm nada, pois achei fantástica a resposta da mais famosa fruta da estação (a Citrullus vulgaris) quando espetada por uma certa e eterna bunda loira que afirmou a um burropórter que para sobreviver na horticultura da mídia brasileira era necessário mais do que bunda (!). Nossa! Uma bunda falando de bunda, fiquei até com cara de bunda agora! Prontamente, a fruta da estação (a Citrullus vulgaris), respondeu que concordava, tanto que sabia que escola se escreve com “e” e não com “i”! É fantástico (plim)! Se a geração de agora conhecesse o grande Seu Boneco entenderiam a frase: Aí eu vou pra galera!
Mas é exatamente isso. Na vida a gente abraça as oportunidades que vão aparecendo. Atravessamos as pontes que podemos atravessar. O mais fantástico (plim) dessa história toda, que poderia ser confundida com o filme Os Vegetais, é que ninguém da hortomídia andou comendo as frutas da estação. Eu acho que não!
E é tudo questão de auto-ajuda, meio O monge e o executivo, elas dão o que o povo quer ver e em troca podem se expor felizes da vida ao sol da fama da hortomídia. Enquanto isso der certo não nos preocuparemos em ouvir a desagradável voz angustiante relatada pelos pesquisadores, pois, aparentemente, todos estão felizes, pois em tempos de Internet e transferências de imagens em .jpeg conseguir vender fotos em papel é privilégio para poucos!